“Não vamos derrubar só porque é do Moro”, diz Freixo
Fonte de polêmicas e turbulências entre o Legislativo e o Executivo, o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, será colocado à prova mais uma vez nesta terça-feira (24), na Câmara de Deputados.
Em entrevista à ÉPOCA, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), um dos 16 parlamentares que integram o grupo pluripartidário, afirma que o produto final será rigorosamente técnico.
Membro da oposição ao governo Jair Bolsonaro, ele reconhece pontos positivos no projeto original e argumenta que as alterações promovidas pelos deputados fazem parte da função do Parlamento e visaram trazer benefícios à sociedade, e não atingir o mentor do pacote.
“Não vamos derrubar porque é do Moro. Precisamos parar com isso”, afirma.
Freixo aposta na retirada do polêmico excludente de ilicitude, que isenta agentes de segurança e até civis de punição em casos de excesso na legítima defesa por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
As críticas à proposta ganharam força após a morte de Ágatha Félix, 8 anos, em um tiroteio durante uma operação policial no Morro do Alemão, Zona Norte do Rio.
Para o deputado, a lei vigente já garante o direito à legítima defesa, e avançar com o excludente seria uma “temeridade”.
Qual é a sua avaliação do enxugamento de diferentes pautas do pacote anticrime?
Primeiro, é importante dizer que as duas propostas (o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e a do ministro do STF, Alexandre de Moraes) foram discutidas por um grupo de 16 deputados ao longo de 120 dias em dez audiências públicas. Ouvimos diversos especialistas em um debate muito técnico. Esses parlamentares foram escolhidos pela capacidade técnica, com uma divergência partidária enorme. Fugiu muito da lógica das comissões. Nesse sentido, o que cabe ao Parlamento é exatamente alterar (projetos de lei). Tanto o Alexandre de Moraes quanto o Sergio Moro foram algumas vezes ao grupo de trabalho, além de especialistas.
Mas a discussão não ficou livre de polêmicas.
O que gerou muita polêmica e não deveria ter gerado diz respeito à prisão em segunda instância. Não debatemos o mérito. Discutimos se seria uma medida via Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou projeto de lei. A ampla maioria entendeu que é o caso de uma PEC, tanto é que se trata de um tema ao qual o STF se dedica. Foi uma alteração técnica, e não de mérito. O que precisamos é respeitar uma coisa chamada Constituição.
A tendência é que o excludente de ilicitude caia?
A votação é amanhã, e o excludente de ilicitude é um debate que ganhou muita relevância. Eu entendo, e acho que temos maioria, que não há a menor necessidade de aprovar um texto com a ampliação de legítima defesa. A lei atual já possibilita que o policial em confronto possa agir. A lei já garante a legítima defesa. Mexer nisso e determinar que um juiz possa anular o julgamento ou não dar nenhuma sentença se o policial ou qualquer pessoa agiu por medo ou forte emoção é uma temeridade. O policial que matou a Ágatha estava sob forte emoção?
A morte de Ágatha deve contribuir para a queda do excludente?
Claro, veja: é o episódio que confirma o que estamos dizendo há muito tempo. Imagina um marido que mata a mulher por ciúmes, um caso de feminicídio. Ele estava sob forte emoção? Mas não vamos derrubar porque é do Moro, precisamos parar com isso [associar as retiradas a derrotas políticas do ministro].
Não houve, na avaliação do senhor, alterações com o intuito político de prejudicar o combate à corrupção e grupos criminosos?
Tudo o que beneficiava (a sociedade) foi aprovado. O que atrapalhava foi excluído. O grupo teve muita sensatez durante os trabalhos, conduzido pela deputada Margareth [Coelho, do PP-PI].
Entre as mudanças, o que é positivo para a sociedade, na sua avaliação?
São 120 dias de trabalho, imagine resumir tudo isso. Posso dar alguns exemplos: a polícia, segundo a proposta do Sergio Moro, poderia colocar escutas telefônicas em locais de acesso ao público sem autorização judicial. Pelo texto, seria possível colocar em qualquer igreja, escola e até mesmo no Parlamento. Isso é absurdo. Fere integralmente questões constitucionais. Isso não tem o menor cabimento e foi retirado muito recentemente. Aprovamos uma medida aditiva que vai melhorar muito o projeto. Incluímos o juízo de garantia, que não estava nem na proposta do Alexandre de Moraes nem na do Sérgio Moro. Com ela, o juiz que acompanhará as investigações não será o mesmo que julga. Isso garante isenção ao juiz.
Outro ponto de muito debate foi o plea bargain (acordo entre duas partes em troca de algo, uma barganha. Na Justiça, a expressão se refere à confissão de crimes por parte do acusado em troca de uma pena menor). A proposta do ministro Alexandre de Moraes defende de forma diferente do Moro. Nós entendemos, por ampla maioria, que não se pode tirar a capacidade do juiz em uma decisão de condenação. A proposta coloca uma relação direta de negociação entre o Ministério Público e o réu. Ela copia um modelo dos Estados Unidos, que estão revendo o plea bargain porque a medida multiplicou a população carcerária americana. Levamos para o grupo uma especialista dos EUA sobre o tema.
Quais os aspectos técnicos mais problemáticos da proposta para o Brasil?
O Brasil prende muito e prende mal. Com a aprovação do plea bargain (nos termos do projeto), nós duplicaríamos a população carcerária em menos de dois anos. Isso aumentaria, por exemplo, o poder das facções. Há outro problema: 65% das nossas comarcas não têm defensoria pública. Como garantir a defesa?
E o que é ruim dentro do que foi mantido?
Foi aprovado o aumento da pena máxima para 40 anos. Houve muita polêmica, mas foi aprovado. Não sei se vai beneficiar ou não, ainda tenho muitas dúvidas sobre isso.
Dentro do debate técnico, quais pontos originais do projeto anticrime o senhor considera positivos?
Tanto o Banco Nacional de Perfil Genético quanto o de Perfil Balístico. Nós restringimos o primeiro aos crimes sexuais e dolosos com violência, porque estava muito genérico. Aperfeiçoamos o perfil balístico. São duas boas contribuições para as investigações.
De ÉPOCA