1/3 das condenações em 2a instância caem no STJ

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Foto: Rafael Luz

Uma em cada três decisões judiciais proferidas na segunda instância que chegam ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) é alterada pela corte, e 7% dos casos que vão ao STF (Supremo Tribunal Federal) são total ou parcialmente modificados.

A conclusão é de um levantamento da Folha que analisou recursos nas duas cortes na área de direito penal.

O Supremo dá início nesta quinta (17) ao julgamento que reavalia a prisão de condenados antes que se esgotem todos os recursos.

Atualmente, a corte entende que uma pessoa que sofreu condenação em segunda instância já pode começar a cumprir pena, ainda que, mais à frente, sua sentença possa ser alterada por um tribunal superior.

No STJ e no STF, não é possível reexaminar as provas —não cabe aos ministros decidir se um réu cometeu ou não um crime.

O que essas cortes superiores avaliam é se a decisão que está sendo questionada violou uma lei federal (no caso do STJ) ou a Constituição (no caso do STF).

A reportagem analisou cerca de 38 mil recursos especiais no STJ e 2.500 recursos extraordinários no STF, todos eles na área de direito penal. Os casos levantados transitaram em julgado (quando não é mais possível recorrer) entre 2009 e 2019, vindos de instâncias inferiores.

A conclusão é que 37% dos recursos no STJ foram providos total ou parcialmente, ou seja, a decisão da segunda instância foi alterada ao menos em parte.

Em metade dos casos (48%), os recursos foram negados, e a corte considerou válida a sentença do tribunal de origem.

Em 14% dos recursos não foi possível definir com exatidão que desfecho foi dado pelo STJ.

O grau de alteração no Supremo é consideravelmente menor. Só 7% dos recursos foram providos total ou parcialmente, enquanto 69% foram negados. Não foi possível chegar a uma conclusão precisa em 24% das situações avaliadas.

O levantamento não considera todas as possibilidades que podem levar a mudanças em sentenças.

Com base em consulta a especialistas na área criminal, a reportagem optou por um recorte que limitasse da forma mais precisa possível os processos analisados a recursos que concretamente questionam decisões da segunda instância e do STJ na área de direito penal.

Foram desconsiderados habeas corpus, recursos com agravo e ações de direito processual penal, que eventualmente podem culminar na alteração de uma sentença.

Para quem defende que a prisão só aconteça depois do trânsito em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso), os resultados indicam que há falhas na segunda instância. Já quem é a favor do atual entendimento do STF argumenta que as mudanças não necessariamente são a favor do réu.

No STJ são avaliados casos vindos da segunda instância. Já no Supremo podem ser julgados recursos contra decisões da segunda instância ou de tribunais superiores, como STJ.

O Conselho Nacional de Justiça diz que em 2018 só 7% das sentenças passíveis de recursos do STJ foram contestadas no STF.

Em uma estimativa, a cada mil casos julgados nas varas estaduais (primeira instância) em que cabe recurso, menos de 14 chegam ao STJ e 1 vai ao Supremo.

De acordo com os processos analisados pela Folha, ao menos 14,5 mil pessoas tiveram suas sentenças alteradas nos últimos dez anos pelos dois tribunais.

As revisões observadas tratam de questões como pena aplicada e regime inicial de cumprimento da pena (fechado, semiaberto ou aberto).

As partes também podem pedir ou contestar prescrição (quando o Estado descumpre o prazo para punir alguém) ou pedir que seja mudado o tipo penal —há muitos casos em que a defesa requer que alguém condenado por tráfico de drogas seja considerado usuário, por exemplo.

O recurso pode ser apresentado pela defesa ou pelo Ministério Público. Isso significa que a sentença pode ser mudada a favor do réu ou contra o seu interesse.

Em um caso relacionado à Lei Maria da Penha, por exemplo, o STJ endureceu a pena a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro. O Tribunal de Justiça havia convertido a pena de detenção pelo crime de ameaça em multa, o que, por lei, não pode acontecer em processos de violência doméstica.

Já em outra situação a corte extinguiu a punição de um homem condenado ao regime semiaberto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por ter tentado furtar quatro sabonetes de um supermercado. A justificativa é que o caso se enquadra no princípio da insignificância.

Para a advogada especialista em direito penal Camila Vargas do Amaral, sócia do escritório RCVA, os números apontam problemas na segunda instância.

“Se as decisões fossem sempre corretas, não haveria tantos julgamentos nas cortes superiores reformando as sentenças. O número de processos revistos é muito alto. Significa que a segunda instância erra bastante”, diz.

Segundo Eloisa Yang, criminalista do escritório SiqueiraCastro, frequentemente os tribunais não seguem a jurisprudência das cortes superiores, o que leva às alterações.

Os juízes têm independência para decidir e só são obrigados a seguir o que está previsto nas súmulas vinculantes do Supremo. Decisões que diferem da jurisprudência das cortes superiores, contudo, podem ser revistas quando analisadas pelos ministros.

“O STJ tende a seguir a própria jurisprudência, ele é fiel ao próprio entendimento”, diz Yang.

É por essa razão que o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Jayme de Oliveira Neto, não considera que os resultados do levantamento sejam motivo de preocupação.

“Vejo como natural. São divergências de entendimento, de interpretação, e eventualmente [as decisões do STJ] ainda vão para o Supremo. Nosso sistema dá a liberdade de julgar. Não existindo súmula vinculante, o juiz não está obrigado a seguir a jurisprudência”, afirma.

Hoje, o STF tem um acumulado de cerca de 5.000 mil processos ligados ao direito penal (7% do total) aguardando julgamento. No STJ, são aproximadamente 43 mil (14% do acervo).

Como a Folha mostrou nesta quarta (16), a maioria dos recursos no Supremo e no STJ é julgada em menos de um ano.

Folha