Militares querem compensação por perda de privilégios

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Foto: Felipe Rau

Os defensores da reforma da previdência dos militares prepararam uma cartilha com os argumentos para defender o projeto das acusações de que ele estabeleceria privilégios para uma carreira do funcionalismo público em detrimento de outras no momento em que o Estado passa por crise fiscal.

Generais e especialistas em economia do Exército alegam que o projeto de lei 1.645 não foi planejado como uma compensação ao aumento do tempo de serviço e da alíquota das contribuições dos militares para a previdência. Nem teria origem no governo de Jair Bolsonaro, mas no de Michel Temer.

Sete de Setembro em SP
Militares participam de desfile em comemoração ao Dia da Independência no Sambódromo do Anhembi, na zona norte de São Paulo. Foto: Felipe Rau / Estadão
“Ele não se destina a resolver demandas atuais. Visa o futuro. Trata-se de reestruturação necessária após a desestruturação de 2001”, afirmou um general. A desestruturação referida é a medida provisória de 2001 do governo Fernando Henrique Cardoso que retirou as pensões para as filhas solteiras dos militares, adicional por tempo de serviço, a contribuição para pensão militar de dois postos acima (um coronel podia se aposentar como general de divisão), acúmulo de duas pensões militares e o auxílio-moradia, além da contagem em dobro do tempo de serviço de licença não gozada.

Com essas medidas, diz a cartilha dos generais, houve redução de 23,3% dos gastos com as pensões. Os militares afirmam ainda que, desde então, houve ainda achatamento do salários. O dos coronéis chegou a 19% em 2018 e dos subtenentes em 29%. Se em 2001, um terceiro-sargento ganhava 6,3 salários mínimos, em 2016, o mesmo praça ganhava o equivalente a 3,5 salários. Além do achatamento, a valorização do salário mínimo no período teria provocado o fenômeno.

“O projeto de lei não cria privilégios nem é iniciativa do atual governo. Foi adiado para este ano no bojo do próprio adiamento da PEC da Previdência”, afirmou um general que defende e medida. O comando do Exército nega que os porcentuais maiores para o aumento da gratificação de habilitação dos militares aumente o fosso entre cabos e generais.

“Não cria pela simples razão de sermos uma carreira de Estado. Ninguém entra para o Exército como coronel ou subtenente. O tenente de hoje será coronel daqui a 30 anos. O foco é a perspectiva de carreira dos oficiais e sargentos que ainda vão ingressar.”

O leitor viu aqui que o projeto estabelece que a gratificação de habilitação (cursos feitos durante a carreira) será de 41% sobre o soldo dos generais (R$ 13.421,00) e de 6% para cabos (R$ 2.627,00) e segundos-tenentes (R$ 7.490,00). De fato, os porcentuais aumentam conforme se sobe na hierarquia. Cria-se ainda um adicional de disponibilidade militar. Para os defensores do projeto, “oficiais e praças estão tendo o mesmo tratamento”.

Ao mesmo tempo, aumenta-se de 11% para 14% a contribuição dos militares e o tempo de serviço de 30 para 35 anos em uma carreira cuja formação – segundo a cartilha – pode levar até sete anos de treinamento e estudo. Por fim, reduz-se o efetivo em 10%. Tudo isso levaria a um superávit de R$ 10,4 bilhões em dez anos. O documento dos generais afirma que militares não têm os mesmo direitos trabalhistas dos civis. “Sem o Sistema de Proteção Social dos militares das Forças Armadas, operações, adestramentos e atividades subsidiárias seriam economicamente inviáveis.”

Para o general, “valoriza-se o tempo de serviço e a qualificação profissional de ambas as escalas hierárquicas”. Ele conclui: “Não há luta de classes nenhuma. Isso é coisa dos oportunistas de sempre, tentando obter dividendos políticos à custa dos princípios da hierarquia e disciplina.” O Exército se ressente da atuação de deputados do PSOL que reclamam dos porcentuais diferentes para os graduados e os oficiais segundo se caminha para o topo das carreiras.

Algumas associações de praças estão se manifestando contra o projeto, mas os defensores da reforma afirmam que essas entidades não têm representatividade. “São majoritariamente de sargentos da reserva do Quadro Especial, não concursados, que adquiriram estabilidade e foram beneficiados com a promoção até 2.° sargento. Por não se sentirem novamente contemplados, de modo egoísta, prejudicam todos os demais.”

Para os militares defensores da reforma, a sociedade devia ver as especifidades de uma profissão que engloba funções exclusivas de Estado onde os críticos veem privilégios, como o reajuste salarial por meio do aumento das gratificações, a manutenção do recebimento do salário integral na reserva e a criação de gratificação de representação a ser paga aos generais de forma vitalícia (verba de representação para quem está aposentado). Segundo ele, sem a reforma, as Forças Armadas poderão tornar-se incapazes de cumprir missões subsidiárias, como missões humanitárias e de garantia de lei e ordem.

“Nações estáveis e democráticas pressupõem Forças Armadas modernas e motivadas. Não rotulam de privilégios os atrativos necessários para que ingressem na carreira profissionais capazes de conduzir e gerenciar tais”. Para os generais, esse é um pressuposto que devia ser facilmente compreendido pela sociedade. “Mas como estamos vivendo numa época de polarização ensandecida, a verdade é o que menos interessa. O que vale é atacar o ‘outro lado’.” Cabe agora aos deputados analisar os argumentos dos militares favoráveis e dos críticos à reforma.

Do Estadão