Oportunismo e manipulação no debate sobre prisão em 2ª instância

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Foto: Reprodução

O debate sobre a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância tem sido objeto de toda sorte de manipulações por grupos interessados na manutenção da jurisprudência. Grandes empresas de comunicação, como O Globo (https://oglobo.globo.com/opiniao/serias-implicacoes-de-um-retrocesso-em-julgamento-no-stf-1-24020314), O Estado de São Paulo (https://brasil.estadao.com.br/blogs/estadao-podcasts/editorial-respeito-ao-stf-e-a-jurisprudencia/) e Folha de São Paulo (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/10/chega-de-guinadas.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newsfolha), já expressaram em editoriais seu apreço pela medida e utilizam os meios de que dispõem para defender suas posições.

Críticos da lei que pune abuso de autoridade, juízes (https://www.ajufe.org.br/imprensa/artigos/7302-prisao-apos-julgamento-de-segunda-instancia-e-constitucional) e procuradores (https://oglobo.globo.com/brasil/lava-jato-novo-entendimento-do-stf-sobre-2-instancia-pode-libertar-lula-dirceu-outros-alvos-24022967) também se manifestaram no mesmo sentido, alegando ser uma medida “contra a impunidade”.

O núcleo mais radical do entorno do presidente Jair Bolsonaro, capitaneado pelo astrólogo Olavo de Carvalho, foi mais adiante e pregou abertamente um golpe militar e a suspensão das liberdades civis (https://veja.abril.com.br/politica/olavo-de-carvalho-prega-uniao-do-povo-com-forcas-armadas-e-internet-reage/).

Aparentemente encorajados pelas manifestações de cunho golpista, generais da ativa e da reserva usaram as redes sociais para expressar o que foi interpretado como uma tentativa de intimidação a ministros da Suprema Corte favoráveis à mudança na jurisprudência (https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,general-villas-boas-fala-em-risco-de-convulsao-social-antes-de-julgamento-sobre-segunda-instancia,70003052721).

O artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal sustenta que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Isso implica dizer que a culpa somente é confirmada judicialmente quando não for mais possível a interposição de novos recursos.

Trata-se, portanto, de um mecanismo para evitar prisões injustas e antecipação da culpa e do estigma social que recai sobre todo e qualquer condenado criminalmente.

A Corte se mostrou dividida sobre o tema em diversas ocasiões. Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Rosa Weber chegaram a alterar seus entendimentos de um julgamento para outro. Em verdade, é pouco provável que o plenário da Corte admita a prisão somente após o trânsito em julgado de decisão condenatória. Existe uma grande possibilidade de que a Corte admita uma solução salomônica, com a prisão somente após a confirmação de condenação pelo Superior Tribunal de Justiça.

A Constituição brasileira consagra a vida e a liberdade como os bens mais relevantes a um indivíduo. Entretanto, para defender o cumprimento antecipado de pena, o ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, afirmou que “a crença de que dinheiro público é dinheiro de ninguém é que atrasa o país” (https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/16/toffoli-pede-a-barroso-para-respeitar-colegas-de-stf-e-ministro-responde-deselegante.ghtml).

O argumento, implicitamente, sobrepõe o patrimônio à liberdade individual. É necessário ressaltar que grande parte da sociedade comunga do mesmo sentimento do ministro, inflamada pelo momento político em que governantes, por razões eleitoreiras, formam verdadeiros esquadrões da morte dentro das corporações policiais.

Em verdade, a discussão sobre prisão em segunda instância é eminentemente técnica, e não deveria ser contaminada pela sede de sangue dos governantes e de parte da sociedade. O país tem a terceira maior população carcerária do mundo, o que proporciona maiores facilidades às organizações criminosas no momento de recrutar material humano.

Por outro lado, diversos jornais alardearam a possibilidade de o ex-presidente Lula ser beneficiado por uma mudança na jurisprudência.

Primeiramente, é necessário esclarecer que ele possui duas condenações, mas apenas uma delas em grau recursal. O Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena do ex-presidente em recurso especial em julgamento (http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Quinta-Turma-reduz-pena-do-ex-presidente-Lula-para-oito-anos-e-dez-meses.aspx). Em função disso, Lula seria beneficiado apenas na improvável hipótese de o Supremo Tribunal Federal considerar que o cumprimento de pena deve ser iniciado após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Diante disso, a conclusão é de que a mídia utiliza a improvável perspectiva de que o julgamento resulte na soltura do ex-presidente para insuflar a opinião pública a serviço de seus interesses. O bolsonarismo, por sua vez, enxerga na celeuma a possibilidade de mobilização social a serviço de seu projeto autoritário, já verbalizado em diversas oportunidades por membros do alto escalão governista.

Redação