Papa insinua responsabilidade de Bolsonaro em queimadas

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Foto: Reuters

O fogo foi a palavra-chave da homilia feita pelo papa Francisco na missa de abertura do Sínodo da Amazônia, realizada neste domingo (6), no Vaticano.

Em sua fala, que demorou cerca de dez minutos, o papa mencionou o “fogo” 13 vezes, tanto para comentar a necessidade de “reacender” o dom de Deus recebido pelos bispos, em referência à ação pastoral da Igreja Católica, quanto para criticar as queimadas recentes na floresta.

Papa Francisco junto a representantes das comunidades indígenas.
Papa Francisco cumprimenta líderes indígenas da Amazônia enquanto celebrava a missa de abertura do Sínodo da Amazônia, no Vaticano, em 6 de outubro de 2019. – REUTERS
“O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho. O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com a partilha, não com os lucros. Pelo contrário, o fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos”, disse o papa, sem citar nenhum país.

Convocado há dois anos, o sínodo é uma reunião do papa com 185 bispos dos nove países da Amazônia (58 são brasileiros), além de outros especialistas e convidados. A assembleia acontece até 27 de outubro, sempre no Vaticano.

Na missa de aproximadamente uma hora e meia realizada na Basílica de São Pedro, lotada e transmitida ao vivo por um dos principais canais da TV aberta italiana, o papa se dirigiu aos bispos, sentados à sua frente.

“O dom que recebemos é um fogo. (…) O fogo não se alimenta sozinho, morre se não for mantido vivo, apaga-se se a cinza o cobrir. Se tudo continua igual, se os nossos dias são pautados pelo ‘sempre se fez assim’, então o dom desaparece”, afirmou.

Em sua homilia, o papa pediu que a igreja não se limite a uma “pastoral de manutenção” e que o sínodo tenha inspiração para “renovar os caminhos para a igreja” na região.

“A igreja não pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de manutenção para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo”, disse, citando são Paulo.

A homilia é o momento durante a missa em que o sacerdote usa um trecho do Evangelho para fazer seus próprios comentários.

As palavras do papa resumem os eixos dos debates que ocorrerão nas próximas semanas entre os participantes do sínodo: como renovar as ações da igreja na Amazônia e como lidar com as questões ambientais e socioeconômicas que afetam a população.

Para aumentar a presença de religiosos no bioma, superar as grandes distâncias entre as comunidades e dificuldades de acesso e reduzir a perda de católicos para as igrejas evangélicas, serão discutidas as possibilidades de ordenar homens casados como sacerdotes, criar ministérios oficiais para as mulheres e incorporar costumes dos povos indígenas em rituais católicos.

Sobre os povos tradicionais da região, o papa criticou o colonialismo que, em vez de oferecer “o dom de Deus”, o impôs.

“Quando sem amor nem respeito se devoram povos e culturas, não é o fogo de Deus, mas do mundo. (…) Quantas vezes houve colonização em vez de evangelização. Deus nos preserve da ganância dos novos colonialismos.”

Ao final, o pontífice acenou aos brasileiros ao citar o cardeal d. Claudio Hummes, relator-geral deste sínodo, para fazer uma homenagem aos que “gastaram a sua vida na Amazônia”.

“Repito as palavras do nosso amado cardeal Hummes: quando for àquelas pequenas cidades da Amazônia, vá aos cemitérios procurar o túmulos dos missionários. (…) Não se esqueça deles. Merecem ser canonizados”.

A Amazônia está na mira do papa Francisco desde o início do seu pontificado. Depois de ser eleito em março de 2013, o papa participou em julho daquele ano da Jornada Mundial da Juventude, no Rio, e expressou ali o seu interesse em discutir a ação da igreja na região.

A prática do sínodo foi instituída pela igreja em 1965 e esta será a sua 16ª edição.

Desde que o papa argentino assumiu, foram realizadas duas assembleias ordinárias sobre temas gerais da igreja (família, em 2015, e jovens, em 2018) e uma extraordinária, para assuntos urgentes (evangelização, em 2014).

Já as assembleias especiais, como este sínodo, são pensadas para abordar temas de um lugar específico. Em 2010, foi o Oriente Médio; em 2009, a África. Sob Francisco, o bioma será a primeira região do mundo a receber atenção exclusiva.

A apreensão da igreja é com a perda de fiéis católicos na região e o crescimento das igrejas evangélicas, evidenciada desde o Censo Demográfico do IBGE de 2010, o último realizado. Só no estado do Amazonas, o número de evangélicos era de 31%, ante 21% em 2000. Entre os que se declararam católicos, queda de 70,8% para 59,5%.

ENTENDA O SÍNODO
O que é sínodo
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez.

Especial Amazônia
Anunciado em 2017 pelo papa Francisco, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental. Depois de meses de escuta da população local, bispos e demais participantes se reúnem entre 6 e 27 de outubro, no Vaticano.

Para que serve
O sínodo é um mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia.

Quem participa
O Sínodo da Amazônia reúne 184 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 58 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões.

Principais polêmicas
Este sínodo tem recebido críticas do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação na Amazônia, e da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.

Da FSP