Personagem da Vaza Jato, procurador esperneia

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Foto: Mario Filho

O ex-procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima afirma que já era esperada uma forte reação de políticos e de setores do Judiciário contra a Operação Lava Jato, da qual fez parte até o ano passado. “São decisões de acomodação, sempre em favor dos poderosos”, disse, referindo-se à possibilidade de anulação de diversas condenações.

Em entrevista exclusiva ao R7, comentou o vazamento de mensagens atribuídas a ele e a seus antigos companheiros e chegou a se irritar ao dizer que considera um absurdo a análise de que a maior investigação contra corrupção do país tinha como principal objetivo a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.

Para Santos Lima, a Lava Jato mexeu com a estrutura de todos os poderes, atingiu políticos de diversos partidos e estados, tanto no Legislativo quanto no Executivo, e chegou a integrantes do Judiciário, mas nunca teve a pretensão de acabar com a corrupção no país. “Nós poderíamos mostrar no máximo 1%, ou 5%, com muita sorte, mas seria apenas uma fração. Somos incapazes de mudar essa prática entranhada nas administrações. Nossa meta era mostrar os crimes e incentivar as mudanças”, explicou.

O ex-procurador, que se desligou da Lava Jato em setembro de 2018 e meses depois se aposentou no Ministério Público, acredita na continuidade da operação ainda que algumas condenações sejam anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). E opina que, ainda assim, o legado será gigantesco. “O que provamos em relação ao que se fazia na Petrobras e na Eletrobras, as falcatruas com os estádios da Copa do Mundo [de 2014, no Brasil], o envolvimento das empreiteiras nesses crimes e os inúmeros esquemas e negócios que desvendamos são um trabalho que não pode nunca mais ser desprezado.”

Leia mais trechos da entrevista:

Como o senhor viu a anulação das condenações de Aldemir Bendine e Marcio de Almeida Ferreira, que podem servir como parâmetro para cancelar outras sentenças da Lava Jato?

Em primeiro lugar, a conclusão do STF é um equívoco. Em relação à ordem das alegações finais, o próprio Supremo já havia tomado decisão no sentido inverso na Segunda Turma no passado e agora vai contra isso. Essa é uma posição que o sistema toma de vez em quando para salvar processos em relação a pessoas que têm algum tipo de poder. São aqueles julgamentos impossíveis de ser previstos, porque não têm amparo legal. Vieram agora com essa alegação de ‘sagrado direito de defesa’ e mudaram a análise que lá atrás já havia sido feita. É uma decisão incorreta e infundada.

Não afeta somente o Lula. No caso do tríplex sequer há essa situação [nesse processo, não há delatores homologados]. É uma decisão para proteger inúmeros poderosos, mas é preciso ficar claro que não se trata de uma modulação. Ao que parece, o que o STF está pretendendo fazer é tomar uma decisão não vinculante, para analisarem caso a caso.

A Lava Jato corre risco de acabar?

Não corre esse risco. O que pode acontecer é que nestes casos analisados pelo STF haja um prejuízo à Lava Jato, mas a operação continua. Até porque é preciso de um pouco de sensatez de todos os setor. A população em geral compreende o que está acontecendo: é uma acomodação no sistema de poder. O poder, acuado, está tentando se vingar, para readquirir seus privilégios. Existe uma crise na democracia do Brasil e mostramos isso. No substrato dessas acusações está todo o sistema político, que usa dinheiro ilícito para se manter com caixa 2 e corrupção financiando estruturas sem nenhum tipo de relação com os anseios da população.

Procurador, como o senhor vê o combate à corrupção no país daqui em diante?

A Lava Jato nunca teve a pretensão de acabar definitivamente com a corrupção do Brasil, tanto que apoiamos o pacote do ministro Sergio Moro, que já era tímido e agora ficou ainda mais esvaziado [ele se refere às mudanças determinadas no texto no Congresso]. Sabemos que a mudança estrutural passa obrigatoriamente pela política.

“Talvez por ser um novato na política, Moro fez uma proposta [pacote anticrime] que achou factível, possível de ser aprovada. Eu não concordo, por exemplo, com as questões de legítima defesa”

Carlos Fernando dos Santos Lima

O pacote do ministro Sergio Moro foi tímido em que sentido?

O ministro fez um pacote sem grande alcance. Se você compará-lo com as 10 medidas anticorrupção, que apoiamos lá atrás, ele abrange um percentual pequeno das propostas. Talvez até por ser um novato no jogo da política, o Moro fez uma proposta que achou factível, possível de ser aprovada. Eu não concordo, por exemplo, com as questões de legítima defesa, acho que nem ele, mas é uma imposição do presidente Bolsonaro e ele acatou. Acho triste, porque é muito claro no nosso país que os políticos, infelizmente, desejam coisas diferentes, pensando em seus benefícios.

Como o governo Bolsonaro se encaixa nessa crise da democracia? O senhor vê risco de um governo autoritário?

Não vejo assim. O Bolsonaro é fruto da disputa entre direita e esquerda, fruto da radicalização em um jogo que estimula a deturpação de fatos e ideias no Brasil. Na minha opinião, você não pode ser só uma coisa, pensar só para um lado. Não vejo como ele poderia ser uma ameaça à democracia. Apesar de os poderes tentarem manter seus privilégios, nenhum tem capacidade de abalar efetivamente a democracia.

A Lava Jato é acusada de imparcialidade pela esquerda, de focar o PT e ter buscado outros partidos apenas para encobrir esse objetivo…

É um absurdo total. Se você reparar, inicialmente havia essa percepção de que o PT seria o único afetado, afinal as investigações apontaram crimes na Petrobras durante os governo petistas, mas quando se percebeu o contrário, que era uma operação que ia contra o sistema criminoso instalado nos poderes, uniram-se as forças contra a Lava Jato. Se você analisar o posicionamento do [ministro do STF] Gilmar Mendes, enquanto ele acreditou que a investigação era contra um único partido, era a favor das apurações, mas a partir do momento em que percebeu que havia levantamentos contra diversos governos, inclusive os do PSDB, mudou de opinião e passou a atacá-la.

Como o senhor responde à acusação de que a operação tinha como único objetivo prender o ex-presidente Lula?

É uma versão conveniente a de que Lula seria o único alvo. Outros presidentes sempre utilizaram esse tipo de estratégia para encobrir crimes, dizendo-se perseguidos.

Ao aceitar ser ministro de Bolsonaro, adversário de Lula, Sergio Moro, responsável por sua condenação, não ajudou a reforçar essa ideia?

A esquerda inteira diz isso, mas essa história não se sustenta em pé. Naquele momento [da condenação de Lula, em julho de 2017] sequer se tinha noção clara de que Bolsonaro era um candidato viável. É acreditar que quem tramou isso tudo tinha uma cabeça conspiratória e capaz de adivinhar o que poderia acontecer no futuro, e isso não faz o mínimo sentido. A investigação, aliás, nunca foi do Sergio Moro, ele era juiz. As investigações eram do MP e da Polícia Federal, em vários estados e diversos países, inclusive.

Caberia uma delação premiada do ex-presidente Lula?

Não se aceita delações premiadas de líder de organizações criminosas. Por principio, não se faz acordo para que um líder entregue pessoas abaixo dele.

Neste ano, o site Intercept revelou conversas atribuídas a integrantes da força-tarefa, incluindo o senhor, que comprovariam a parcialidade da Lava Jato. Como viu essas reportagens?

O Intercept é da imprensa e a imprensa é livre, mas não é desinteressada. O que acho é que se você pega todas as comunicações de um trabalho com cinco anos de duração, com 20 a 30 grupos do Telegram sendo observados, você monta a historinha que você quiser. Houve um hackeamento, ele foi criminoso e eu ainda tenho dúvida se não foi encomendado por algumas pessoas. O que acho curioso é que conversamos inúmeras vezes na força-tarefa desmentindo notícias veiculadas pela imprensa, mas esses diálogos curiosamente não foram vazados [nas reportagens do Intercept e de seus parceiros]. A imprensa foi tremendamente injusta com a Lava Jato e teve como única intenção montar historinhas para denegrir a operação.

Alguns diálogos vazados mostram declarações que seriam suas. Elas são verdadeiras?

Não vou dar autenticidade a esses vazamentos. Eu nem leio, nem me preocupo. Eu desinstalei meu Telegram quando saí da força-tarefa, em setembro de 2018, e deletei todas as conversas, então nem tenho como saber se é ou não verdadeiro. Não vou me dar ao trabalho de ficar me irritando por conta de atos crimnisosos. O que tem que ficar claro é que nós somos as vítimas, não vou inverter o ônus tentando provar que sou inocente. Não posso dizer uma a uma se as mensagens estão certar ou erradas, mas sei com certeza que elas foram montadas dentro de um contexto para criar uma versão incorreta e incompleta da história.

Por que deletou as mensagens?

Porque seis meses depois de deixar a força-tarefa eu iria me aposentar e não queria manter qualquer ligação com o que vinham conversando. Não seria correto eu ter esse acesso ao que estavam fazendo.

Sergio Moro tem dito que, mesmo que as mensagens sejam verdadeiras, não há qualquer ato ilegal apresentado nas reportagens. O senhor concorda com ele?

São fofocas divulgadas, mostrando pessoas que estão num ambiente informal falando muitas vezes bobagem. Nada do que eu tenha visto era ilegal. Mas repito que não leio mais. É importante que se entenda que, em uma investigação, você tem diversas leis, e essas leis podem ser interpretadas. Sempre fizemos uma investigação dentro do possível, e sempre referendada pelos tribunais.

Em um dos vazamentos, surgiu uma conversa do então juiz federal Sergio Moro pedindo para o senhor enviar uma nota à imprensa apontando as contradições no depoimento de Lula…

Não digo que houve nem que não houve esse fato, não vou dar autenticidade a esses vazamentos criminosos, como falei.

Seria correto esse pedido de Moro?

O que precisa ficar claro é que, no Brasil, não existe essa relação impessoal do juiz. Partes conversam com o juiz e ele tem o poder de produzir provas e pedir diligências. Se eventualmente ele [Moro] faz um desabafo, e é natural que em cinco anos haja algum tipo de desabafo, por causa dos absurdos que nós enfrentamos nessas investigações, qual a ilegalidade? Se em cinco anos, é tudo o que eles [Intercept] têm, eu pergunto onde está provada a parcialidade do juiz? Sem contar que não há influência do poder Judiciário sobre a opinião do ministério público e muitas vezes ele indeferiu pedidos que nós fizemos, e os vazamentos mostram isso.

A Lava Jato contava com a imprensa em sua estratégia para ganhar força e se consolidar?

A nossa estratégia era se comunicar. Nossa intenção era colocar ao público todos os fatos, nada mais que isso. Agora, assim como os jornalistas têm suas fontes, as fontes também têm seus contatos, isso não é irregular e não merece nenhum tipo de advertência. O fato de um procurador falar com os jornalistas é da natureza das coisas.

Do R7