Jorge William / Agência O Globo

Escola Sem Partido está de volta sem nunca ter ido

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O anúncio de que suspenderia as atividades em 1º de agosto deste ano rendeu a Miguel Nagib , criador do movimento Escola Sem Partido (ESP), um financiador para manter as atividades do grupo. O nome do apoiador é mantido em sigilo . De 2014 até agosto de 2019, já foram apresentados 121 projetos do tipo em câmaras legislativas municipais e estaduais do Brasil.

No total, 85 cidades e 21 estados já discutiram ou ainda debatem a implementação da ideia. O levantamento foi feito na base de dados da Frente Nacional Escola Sem Mordaça, que acompanha o andamento desses projetos. Os dados mais recentes são de agosto.

— Não chegamos a paralisar as nossas atividades. Logo após o aviso, já apareceu a ajuda — afirma Nagib.

Em setembro, o criador do movimento publicou nas redes sociais que “passou o chapéu” na tentativa de captar recursos para o movimento, mas, ao GLOBO, afirmou na época que “precisava bancar tudo”.

Com o aporte financeiro do novo parceiro, o ESP conseguiu alugar uma sala comercial e contratar quatro funcionários — entre eles, Nagib.

— Revelar o nome do financiador não depende de mim. Depende da pessoa que está nos ajudando. Ela tem todo o direito de permanecer anônima, como qualquer pessoa que faz uma doação — diz Nagib.

Questionado se o doador era algum político, ele negou.

Muitos projetos, poucas leis

Além de financiamento, o Escola Sem Partido deu outro passo importante: nunca esteve tão perto de passar uma lei em uma capital. A Câmara de Vereadores de Belo Horizonte aprovou um projeto de lei (PL) do ESP em primeiro turno no dia 14 de outubro.

Agora, o PL voltou para as comissões para análise das emendas. Ainda é necessária votação do plenário em segundo turno. Se aprovado novamente, irá para sanção do prefeito. Atualmente, os professores municipais da cidade estão em greve. Um dos motivos é a tramitação do projeto.

Os PLs do Escola Sem Partido são, em sua maioria, idênticos — e o padrão se repete em Belo Horizonte. Eles evocam a neutralidade política e religiosa do estado para alegar que o poder público não pode se “imiscuir na orientação sexual dos alunos”.

Sob esse argumento, seus defensores apoiam a proibição de discussões como transexualidade, homofobia e violência contra a mulher.

Os projetos também preevem que a escola cole cartazes “com no mínimo 90 centímetros de altura por 70 centímetros de largura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas” com os “deveres do professor”.

Entre eles, estão “que o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”.

Também dizem que “o professor respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”.

“Liberdade de ensinar — assegurada pelo art. 206, II, da Constituição Federal — não se confunde com liberdade de expressão; não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente”, afirma a justificativa para o PL de Belo Horizonte, apresentado por um grupo de 21 vereadores.

Adversários da ideia consideram que ela é uma espécie de censura prévia, fere a autonomia do professor e impede o debate em sala de aula.

Em decisão liminar, que suspendeu lei semelhante aprovada na Assembleia Legislativa de Alagoas, o ministro do STF Luis Roberto Barroso afirmou que “só pode provocar o pensamento crítico quem pode igualmente proferir um pensamento crítico”.

“Para que a educação seja um instrumento de emancipação, é preciso ampliar o universo informacional e cultural do aluno, e não reduzi-lo, com a supressão de conteúdos políticos ou filosóficos, a pretexto de ser o estudante um ser ‘vulnerável’. O excesso de proteção não emancipa, o excesso de proteção infantiliza”, escreveu o magistrado.

O julgamento pelo plenário do STF estava marcado para novembro do ano passado, mas foi adiado indefinitivamente pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.

Espalhados

A ideia ganhou força nos últimos três anos. Em 2016, a pesquisadora Fernanda Moura, que faz parte da Frente Nacional Escola Sem Mordaça, identificou, para sua dissertação, apenas 60 propostas de lei do ESP. Na conta, também estão projetos que apenas tentam barrar a discussão sobre gênero — um dos artigos do Escola Sem Partido. Atualmente, essa soma chega a 250 PLs.

— Nas capitais, a tramitação vai mais devagar por conta da resistência dos professores. Em Belo Horizonte também teve mobilização, mas conseguiram aprovar em uma sessão de portas fechadas e agressiva — afirma Moura.

Dos 121 projetos já apresentados, apenas 14 estão em vigor — em Água Boa (MG), Arapongas (PR), Cachoeiro de Itapemirim (ES), Santa Cruz do Monte Castelo (PR), Guarapari (ES), Marechal Floriano (ES), Francisco Dantas (RN), Criciúma (SC), Gov. Celso Ramos (SC), Guarujá (SP), Pedreira (SP), Várzea Paulista (SP), Jacobina (BA) e Bela Vista (MS).

Quatro cidades já aprovaram, mas falta sanção. Além disso, há 34 projetos arquivados, quatro retirados de pauta, nove rejeitados, seis suspensos, seis vetados e 44 em tramitação.

Eles estão também em 15 assembleias estaduais, além do Distrito Federal. Em São Paulo, há três projetos do tipo. No Rio, já foi arquivado duas vezes e mais uma, retirado da pauta. No Espírito Santo foi arquivado duas vezes e há mais uma em tramitação.

— A nossa proposta não tem prazo de validade. O fato de não ser aprovada no momento, não significa que não pode ser discutida novamente. Esse é um assunto relevante — defende Nagib.

A pesquisadora Fernanda Moura diz que os autores das propostas se beneficiam politicamente da tramitação longa.

— Para alguns políticos autores das propostas, é até melhor que os projetos não sejam aprovados. Essa é uma forma de manter o medo geral e conseguir angariar eleitores. Ou seja, cria o pânico moral, faz dessa a principal plataforma política e gera o inimigo (os professores) que doutrina. Para eles, mais vale não aprovar. Depois de aprovado, se não for município muito pequeno, acabam contestado na Justiça e geralmente cai. Aí o político fica desmoralizado — analisa Moura.

Movimento busca lei nacional

A expectativa do fundador do ESB é que o projeto tramite na Câmara dos Deputados a partir do primeiro semestre de 2020. A discussão, no entanto, encontra resistência e, se aprovada, pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Nagib afirma que não vai apoiar formalmente nenhum candidato nas eleições de 2020. No entanto, segundo o criador do movimento, aceita que políticos endossem a causa.

— Nós não apoiamos ninguém, mas aceitamos qualquer candidato, de qualquer partido. Essa nossa bandeira não é uma política de governo, é de estado. Todos os partidos e políticos deveriam apoiar uma escola sem partido como aquela que nós defendemos. Se alguém de esquerda defender o Escola Sem Partido, a gente aceita o apoio — afirma Nagib.

OGLOBO