Edilson Dantas / Agência O Globo

FHC se rende e quer se aproximar de Lula

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Edilson Dantas / Agência O Globo

Fernando Henrique Cardoso não vê em Jair Bolsonaro ou Lula capacidade de apaziguar a tensão política brasileira, mas que torce para que o petista retome o perfil conciliador. Em entrevista à coluna, o ex-presidente afirmou estar disposto a sentar para dialogar com o petista, caso Lula o procure.

Na avaliação do tucano, a soltura de Lula pode aumentar ainda mais a polarização e, por isso, espera que o petista não “volte com fundamentalismos”.

FHC falou ainda sobre a defesa do AI-5 feita por Eduardo Bolsonaro , Luciano Huck e política externa.

Leia a entrevista.

Qual é a expectativa para o segundo ano de governo de Jair Bolsonaro?

Que ele mude. Em que sentido? Em Relações Exteriores, que o Brasil tem perdido espaço, na questão educacional, que não se sabe qual o rumo. Os ministros têm de ter um pouco mais de direção para que as pessoas sintam para que lado as coisas vão. Que a economia retome. Por enquanto, nada. O governo tem de inspirar confiança. E que não seja tão polarizante e não provoque tanta distensão. A função de quem está no governo é aumentar a coesão social, não fragmentar o país. Buscar o rumo e a coesão do país. Isso aconteceu até agora? Não. Até agora, o contrário. Não só a polarização é grande, como talvez aumente agora com a libertação do Lula. Não depende só do Lula, depende do outro.

Lula e Bolsonaro são capazes de um movimento de apaziguamento?

Não é do espírito de nenhum dos dois. Nunca vi Bolsonaro na vida. Não o conheço, não sei como é seu temperamento. Conheço o Lula. O Lula é verbalmente de contestação, porque é político. É uma pessoa tática, sente o momento e vai, mas não é que tenha na alma a vontade de esmagar o outro. Ele esmaga quem está mais perto.

Lula saiu da prisão conciliador ou incendiário?

O Lula não é incendiário . Ele é verbalmente incendiário, porque é do poder. Como estilo político e humano, não é a tendência do Lula ser incendiário. As pessoas às vezes o pintam de guerra, mas não é assim. Não conheço Bolsonaro e não quero avançar como ele é. Visto de fora, dá a impressão de que ele é mais guerreiro, mais intransigente, acredita em uns fantasmas. O Lula acredita nele.

Ele saiu da cadeia maior ou menor do que entrou?

Depende do que fizer agora. Cadeia é cadeia, sempre desagradável. Não acho que a retórica que ele está usando, de que é perseguido político, corresponda à realidade. Não nego que haja sentimento político contra ele, como contra vários outros, mas o juiz tem de ter base para julgar. Entendo essa retórica como tática política. Mas é perigoso, porque não sei quais serão as consequências da decisão do tribunal. Se forem as que estão sendo ditas, vai ter que libertar muita gente. Voltará uma sensação de impunidade, o que não é bom. Não gosto de ver pessoas que conheço punidas, mas a impunidade é mais grave do que isso. Vamos ver como o Lula vai agir. Não tem direitos políticos, mas certamente vai ter influência.

Qual deve ser o papel de Lula até a eleição de 2022?

O papel de quem é líder de um partido. Vai tentar influenciar, é normal. Quando foi presidente, não teve um papel revolucionário. Atacava quando necessário, mas não era um homem de fundamentalismos. Espero que não volte com fundamentalismos. Isso é ruim para o Brasil.

Sentaria com ele para conversar?

Em toda a vida, sentei com todo mundo que me procura. Não vou procurar ninguém, já passei dessa época. Não tenho razão para procurá-lo, mas sempre estive disposto a conversar. Mas ele nunca quis — quando ele e eu fomos presidentes — ter uma conversa verdadeira comigo. Não vou dizer que eu não tenha vontade de falar com Lula, mas não vejo que seja construtivo, porque ele não vai mudar. Mas sou favorável ao diálogo. Nunca conversei com Bolsonaro e não acho necessário, porque ele tem o poder na mão e, da minha parte, seria desnecessário procurar quem está no poder. O Lula como não está no poder, se quiser conversar, avise.

Como avalia a fala de Eduardo Bolsonaro sobre o Ato Institucional nº 5?

Trágica. Provavelmente, falou porque está habituado a falar, não tinha tanto peso ao que disse, mas disse. Na política, palavra pesa. Como considero completamente inaceitável ficar elogiando quem foi torturador no passado. Isso vai contra direitos humanos, democracia. Não posso aceitar isso. Sou fundamentalmente democrático. Aceito a variação, mas não a violência como instrumento de poder. Um erro inaceitável.

Até que ponto declarações como a do AI-5 podem se tornar uma ameaça real à democracia?

Não acho que acho que seja uma ameaça real, porque as circunstâncias mudaram muito, mas não acho conveniente pessoas que exercem algum papel na política repetirem. Enaltecer o que não é democrático é negativo. Mesmo que não tenha efeitos na prática, mas podem ter. Tem que ser combatido.

A solução para Bolsonaro é criar um novo partido?

Isso é problema dele. Ele não tem partido. Tem um partido que não sei o que significa. Quando o PT nasceu, pensei: “Vão criar outro partido”. O PT foi virando outra coisa, mas não perdeu alguma raiz. Os partidos no Brasil estão fragmentados, não têm coerência. Sempre tiveram pouco, o PT foi um dos que mais teve. O PSDB nunca teve muita coerência, mais ou menos. Quando digo que o PSL não é um partido equivalente ao PSDB ou PT, não estou dizendo que não se deva hostilizar os partidos. Os partidos vão voltar a ser o que eram no passado? Não creio. Houve uma certa rigidez da vida política que separou bastante os chamados políticos profissionais da vida cotidiana. Há esse sentimento. Isso facilita pessoas sem raízes. Acho arriscado. Pessoas sem raiz vão para cá, para lá, para lugar nenhum.

Eleição na Argentina, renúncia de Evo Morales e protestos no Chile. O que o cenário latino-americano tem sinalizado ao Brasil?

Não é por causa da esquerda, é outra razão. O que existe é um mal-estar, de que as medidas do governo não atendem aos interesses das pessoas. As pessoas não sabem o que vai acontecer, têm temor que esse mundo não as inclua no futuro e não têm uma utopia, não têm um desenho da boa sociedade, se sentem mal e reagem. Vai ser sempre assim? Espero que não. Para que não seja assim, é preciso medidas. Qual foi o milagre dos Estados Unidos? Um país muito heterogêneo, com escravidão e que criou o sonho americano, e que teve uma expansão econômica fenomenal. Deu às pessoas o sentimento de que há caminho para mim, meu filho e meu neto, com certa mobilidade social. O Brasil viveu vários períodos de mobilidade social também. Nesse momento, as coisas estão na dúvida. O que vai ser o amanhã? Não se sabe.

Quem seria hoje capaz de criar um “sonho brasileiro” e dar esperança às pessoas?

Isso é o que é necessário. No passado, um “sonho brasileiro” poderia soar falso, mas precisa. Por isso, a necessidade de uma coesão, de ter um terreno comum, mesmo com diferenciação. E o que é isso? Como transformo isso numa aspiração? Mesmo sabendo que vai ser desigual, vou ter um pedacinho maior desse campo comum. Precisa de algo assim, uma utopia. No nosso caso, a utopia tem de ser de mais igualdade. E por que criticamos o governo? Precisa haver um caminho que seja aberto por quem lidera e que tenha meios para oferecer algo. Tem que aumentar a coesão e abrir um caminho.

Bolsonaro e Lula seriam capazes de abrir esse caminho?

Bolsonaro está mostrando que não pensa assim. Discrimina, acha que há bons e maus. O Lula, por enquanto, não falou nada, mas tende a ter uma visão… É preciso que nesse caminho, a pessoa seja capaz de governar. O Lula pessoalmente foi. O PT não foi. Deu no que deu. Tem que ser gente que tenha uma certa competência. Não sou um ser de temperamento pessimista, nem acho que a história do Brasil recomende pessimismo. É por isso, que é preciso reavivar a confiança em nós mesmos. Precisamos de um governo, de um presidente, de um líder, que reavive a confiança do brasileiro no Brasil. Em política, tem de funalizar.

Então quem?

Por enquanto, não está claro. Sabe-se quem não simboliza. Agora, quem simboliza tem de ser uma construção política, requer o exercício da liderança. Em política, a palavra pesa muito. Tem que entusiasmar, tem que fazer com que as pessoas acreditem. Dentre os que mencionou, Lula não pode ser candidato e o Bolsonaro pode, mas vai entusiasmar uma parte, os dele, não o conjunto. Acho que tem que transcender essa polarização. É necessário que surja uma liderança capaz de transcender essa polarização.

Quem tem mais potencial para transcender, convencer e entusiasmar o povo: Luciano Huck ou João Doria?

João Doria já convenceu algumas vezes. Ganhou. O Luciano ainda não ganhou. Sou amigo dos dois. O Luciano tem que passar a ser líder político, o que é diferente de ser celebridade. Ele é um celebridade, é reconhecido, trata dos problemas do povo. O salto que vai ter de dar é outro. É mostrar que, além disso, lidera politicamente. A política implica lados. Isso precisa ser demonstrado a partir das eleições municipais. Não estou propondo que entre, porque não sei qual a disposição dele, mas é importante que a pessoa saiba.

O que Huck deve fazer para se colocar como um líder político?

A população tem de sentir qual o caminho dele. Quais ideias dele para a política? Toda semana no Caldeirão do Huck, ele mostra que é solidário. Ele tem conhecimento do povo, o que é importante, não é qualquer um que tem isso. Mas ele tem que mostrar que, com esse conhecimento, é capaz de andar nos caminhos institucionais, Congresso, tribunais, partidos. Criar os aliados políticos. Está tentando isso, suponho. Criar aliados, uma rede possível de implementar. Talvez conheça mais o país do que a maioria, porque era a função dele. Ele não tem problema nesse sentido, tem no outro: mostrar que é capaz de mexer com as instituições. E saber que vão jogar pedra nele.

Huck tem medo de se expor?

Não sei. Ele vai ter de se expor, não sei se tem medo. Vai mostrar agora. Se for candidato, será exposto. Uma vez político, sua vida é devassada. O que fez ou não fez aparece. Se não tiver convicção em si mesmo, está perdido. Isso vale para todos.

Para uma classe, Bolsonaro criou uma utopia de Brasil sem corrupção e sem distribuição de cargos políticos. Essa utopia já morreu?

Não sei. O que caiu foi a corrupção. Agora está na moda atacar a Lava Jato. A Lava Jato historicamente teve um papel importante. Pode ter errado, exagerado? Pode, mas tem um papel. Bolsonaro vocalizou algo que naquele momento correspondia ao interesse da maioria. O que não corresponde é essa ideia de quem tem inimigo para todo lado. Mas isso não é suficiente para manter uma utopia, as pessoas precisam de uma visão de grandeza. Não se vê, eu pelo menos não vejo. Vejo uma visão antiquada. Se mete na política de outros países. Agora está recuando.

O que é necessário para o Brasil deslanchar em sua política externa?

Qual nossa possível vantagem? Uma é estrutural. Estamos longe do centro maior de poder, hoje, China e Estados Unidos. Não acho vantajoso para o Brasil entrar em briga que não é nossa. A política que está sendo feita é uma política que pressupõe o bem e o mal. O mundo internacional vive de relações de força e interesse. Não temos força para entrar numa briga de cachorro grande e temos interesse em manter relações com todos, desde que bom para nosso povo. […] Não convém ao Brasil como país, que o governo se manifeste contra ou a favor sobre tudo o que acontece no mundo. Quem vai ganhar no Uruguai? Ganhe quem ganhar, o Uruguai é nosso vizinho. Argentina mesma coisa.

Bolsonaro criticou muito a eleição na Argentina…

Acho errado. Isso é problema dos argentinos. O bom para o Brasil é que mantenhamos boas relações com toda nossa vizinhança. Pensar que o peronismo equivale ao comunismo no passado é um erro. Não tem nada a ver.

Bolsonaro é desrespeitoso?

Não o Bolsonaro, pessoas do governo, verbalmente se manifestam. Acho inconveniente para os interesses do Brasil. Posso torcer para alguém, mas se eu fosse presidente, eu não iria dizer, porque não convém ao Brasil.

Muita gente fala que o Rodrigo Maia é quem dá estabilidade para a República…

Rodrigo Maia é uma pessoa que demonstrou uma capacidade grande de orientar o Congresso. Não é fácil. Dou mérito. Não sei se é líder popular. Isso é outra coisa. Ele foi capaz de assumir temas que são do Executivo. Li uma entrevista que (diz que) ele está tomando ares de estadista e não de um político comum.

Ele tem esse ar?

Não sei. Por enquanto, não.

O que é o PSDB hoje?

Pouco coerente com sua pretensão inicial. Não se sabe se é de esquerda, direita ou do centro. O que é centro? Não adianta ter um centro amorfo, tem que ter lado também. Os partidos estão sem assumir posições. O PSDB também está no rolo geral. Pode sair? Pode, mas precisa sair. E como sai? Liderança e candidatura. As pessoas não votam em partido, mas em pessoas.

ÉPOCA