Moraes vota por abrir dados sigilosos da UIF e Receita
O julgamento do Supremo Tribunal Federal ( STF ) que avalia o compartilhamento de dados entre órgãos de controle como o antigo Coaf com o Ministério Público sem aval judicial foi suspenso novamente e será retomado na quarta-feira da semana que vem. Na sessão desta quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes , o segundo a votar, foi favorável pela possibilidade de que tanto a Receita Federal quanto a Unidade de Inteligência Financeira ( UIF ), o atual Coaf, podem compartilhar dados com MP sem necessidade de supervisão judicial.
Ele é o segundo ministro a votar. Na quarta, o presidente do STF e relator do processo, ministro Dias Toffoli , já tinha se manifestado a favor de impor algumas restrições, principalmente à Receita, mas também, em menor medida, à UIF. Moraes, por outro lado, defende uma atuação com menos amarras.
O caso concreto julgado na Corte é o recurso do MPF em São Paulo contra o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O tribunal anulou um processo sobre sonegação fiscal contra donos de um posto de combustível em São Paulo sob o argumento de que a Receita repassou dados fiscais ao Ministério Público sem autorização anterior da Justiça.
A sessão foi encerrada após o parecer do ministro Alexandre de Moraes. Em seu voto, o magistrado divergiu de Toffoli em relação aos dados que podem ser compartilhados pela Receita Federal com o Ministério Público. O presidente da Corte votou para limitar os documentos que poderiam ser repassados pela Receita ao MP para evitar a quebra do sigilo bancário. Dessa forma, Toffoli votou para que extratos bancários não pudessem ser transferidos da Receita para o MP.
Alexandre de Moraes, no entanto, discordou. Para ele, não haveria impedimentos legais para que a Receita compartilhasse a íntegra de dados coletados por ela no âmbito de processos administrativos.
— Dessa forma, presidente, nesse caso, peço vênia a vossa excelência, mas divirjo de Vossa Excelência, pois entendo que é possível o compartilhamento de todas as informações produzidas pela Receita Federal que ensejaram o lançamento definitivo do tributo porque somente a partir desse momento a materialidade do delito ficou constatada — afirmou o ministro.
Alexandre de Moraes disse ainda que os documentos produzidos pela Receita Federal em processos administrativos fiscais devem ser considerados como prova lícita.
— Entendo, presidente, que, por serem provas lícitas produzidas pela Receita e absolutamente necessárias, a Receita pode enviar tudo, todos os dados, todas as provas, todas as informações necessárias — disse o ministro.
Moraes concluiu seu voto sugerindo uma tese — que é o resumo da decisão — menos detalhada que a de Toffoli e, em linhas gerais, liberando o compartilhamento de informações sem necessidade de autorização judicial.
— É constitucional o compartilhamento tanto pela Unidade de Inteligência Financeira dos relatórios de inteligência financeira quanto pela Receita Federal do Brasil da íntegra do procedimento fiscalizatório que define o lançamento do tributo com órgãos de persecução penal para fins criminais, que deverão manter o sigilo das informações — disse Moraes.
Antes ele disse que relatórios do Coaf equivalem a peças de informação que chegam ao Ministério Público. A partir disso, o MP deve decidir o que fazer.
Se o MP entende que há necessidade de complementação, ou ele instaura um PIC (procedimento investigativo criminal) ou requisita um inquérito policial. Agora, mesmo que queira arquivar, chegou lá: “isso é besteria”, deve arquivar nos termos de processo penal — disse Moraes.
O caso julgado pelo STF tem impacto direto sobre as investigações conduzidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido/RJ), suspeito de ter participação na prática conhecida como ” rachadinha “, quando servidores de um gabinete devolvem parte dos seus salários ao parlamentar. Flávio nega participação na prática. Em julho, a pedido da defesa de Flávio, Toffoli concedeu uma liminar suspendendo todas as investigações e processos em trâmite que tivessem utilizado dados repassados pelo Coaf ou Receita Federal sem prévia autorização judicial.
Toffoli esclarece voto
O presidente da Corte e relator do recurso que está sendo julgado, Dias Toffoli, abriu a sessão esclarecendo alguns pontos do voto que deu na quarta . Segundo ele, os relatórios de inteligência financeira ( RIFs ) feitos pela Unidade de Inteligência Financeira ( UIF ), o antigo Coaf preservam o sigilo financeiro, mesmo contendo algumas informações específicas sobre movimentações consideradas suspeitas. Assim, eles estão liberados e não necessitam de autorização judicial.
Em relação aos dados compartilhados pela Receita, Toffoli tinha votado na quarta-feira para impor uma restrição adicional ao trabalho do Ministério Público (MP) na condução dos procedimentos de investigação criminal (PICs). Segundo o ministro, ao receber uma representação fiscal para fins penais da Receita, o MP deve abrir um procedimento investigativo penal (PIC) e necessariamente comunicar isso à Justiça, para que haja supervisão judicial. Hoje, é comum o Ministério Público conduzir PICs sem autorização judicial. Nesta quinta, Toffoli repetiu esse ponto, mas esclareceu que ele não se aplica à UIF, apenas à Receita.
Todos os outros nove ministros ainda têm de votar sobre o caso, que tem repercussão geral, ou seja, deverá ter efeito sobre todos os outros casos semelhantes em tramitação no Brasil.