Toffoli é famoso por recuos quando gritam

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Foto: Gabriela Biló/Estadão

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a troca de informações entre órgãos de inteligência e de investigação marcou mais um recuo do ministro Dias Toffoli, o terceiro desde que assumiu o comando da Corte, em setembro do ano passado. Ele já havia alterado sua posição sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância e mudou o próprio voto em julgamento sobre a blindagem de deputados estaduais. Em comum, todos os casos tinham como pano de fundo interesses da classe política.

Ao votar na semana passada na ação que discute a troca de dados entre órgãos de investigação, Toffoli alterou a decisão que havia tomado em julho, quando determinou a paralisação de todos os processos em tramitação no País em que informações detalhadas de contribuintes foram obtidas junto ao antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) – e à Receita Federal, sem a prévia autorização da Justiça. A decisão foi tomada a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), que apontou quebra de sigilo no repasse de informações sobre movimentações bancárias do parlamentar.

Até agora, apenas Toffoli e o ministro Alexandre de Moraes votaram. A análise do caso será retomada nesta quarta-feira, 27. O presidente da Corte, na semana passada, definiu como regular o trabalho que era feito pelo Coaf. A mudança ocorreu após forte pressão de organismos internacionais, de parlamentares e de órgãos afetados pela decisão. Até internamente, no Supremo, a conduta dele foi questionada.

“Após a coleta de amplo conjunto de informações e a manutenção de amplo diálogo institucional com órgãos domésticos e internacionais envolvidos com a matéria, estou revendo parcialmente o entendimento delineado na decisão de suspensão nacional antes proferida”, disse Toffoli.

Um integrante da cúpula de um dos órgãos afetados pela decisão de julho disse ao Estado, reservadamente, que o voto do presidente do Supremo representa uma saída honrosa para uma situação que ele mesmo havia criado.

Além do voto no julgamento, Toffoli também recuou após determinar ao Coaf que enviasse ao STF cópias de relatórios de inteligência financeira e que a Receita encaminhasse cópia de representações fiscais para fins penais produzidas nos últimos três anos. Após a repercussão negativa da medida, o presidente da Corte revogou a decisão.

Virada ao julgar blindagem a deputados

A mudança de posição mais surpreendente de Toffoli, no entanto, foi no apertado julgamento em que o Supremo garantiu a deputados estaduais o poder de barrar a prisão de colegas determinada pela Justiça, em maio deste ano. O voto de desempate, no 6 a 5, foi o de Toffoli, que antes tinha sido contra permitir que a Assembleia Legislativa dê a palavra final nesses casos.

O julgamento sobre a extensão da imunidade dos deputados estaduais havia começado em dezembro de 2017. A reviravolta ocorreu nos minutos finais da sessão de maio, após o presidente da Corte alterar o voto que havia lido um ano e meio antes.

O ministro também mudou de posição duas vezes nos últimos três anos a respeito da prisão dos condenados em segunda instância. Como presidente do Supremo, no julgamento realizado neste mês, pela primeira vez, desde 2016, afirmou que o réu deve aguardar em liberdade a análise de todos os recursos contra uma sentença condenatória – o chamado trânsito em julgado.

A última posição dele era a favor da execução antecipada da pena após julgamento de recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi como votou em 2018 na análise de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando, por 6 a 5, o tribunal afirmou que não havia impedimento caso fosse decretada a prisão do petista após a condenação no Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

Em fevereiro de 2016, no entanto, Toffoli tinha votado a favor da prisão de um condenado em segunda instância, em julgamento de relatoria do ministro Teori Zavascki.

“Muitas vezes o voto nosso na presidência (do STF) não é o mesmo voto. Pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira presidencial”, afirmou Toffoli no início do mês, enquanto ainda fazia suspense sobre como votaria em relação à prisão em segunda instância.

Ministro diz que comparação não é possível

Procurado para comentar as mudanças de posição em julgamentos, Toffoli afirmou, por meio de nota enviada por sua assessoria, discordar da comparação entre as votações, pois “compara contextos e características processuais distintas”.

“Não havendo, portanto, como relacionar a extensão das decisões proferidas entre um processo objetivo (caráter abstrato) e um processo subjetivo (caso concreto). Vale destacar que no julgamento de ações de caráter abstrato (processo objetivo), como ADC, ADI, ADPF ­­- voltadas à defesa da Constituição -, não há discussão sobre qualquer interesse subjetivo”, diz a nota.

“O que há de comum entre os exemplos utilizados pelo jornal é o fato de que nos três julgamentos citados o entendimento inicial foi concebido de forma liminar. Em outras palavras, as decisões foram tomadas a partir de um juízo provisório, cujo embasamento foi forjado por meio de documentos presentes no processo até o momento daquela decisão”, acrescenta.

A nota frisa que a compreensão de um ministro em qualquer liminar “pode ser mantida ou não quando há julgamento definitivo (mérito) do processo”. “É plenamente possível e corriqueiro que o julgador, com o avançar da instrução do processo e diante subsídios técnicos, reexamine suas primeiras impressões sobre o caso e altere o sentido de seu posicionamento por ocasião do julgamento de mérito”, conclui a nota.

Entenda os casos

Coaf e Receita

Em julho, Toffoli decidiu por suspender todas as investigações no País que tivessem usado dados de órgãos como Receita, Coaf e MP. Depois disse que o Coaf trabalha adequadamente e propõe limitações menores, e não mais a suspensão.

Prisão de deputados estaduais

Nos últimos momentos do julgamento, em maio, Toffoli mudou o voto que havia proferido em dezembro de 2017 e decidiu o placar, de 6 a 5, para estabelecer que deputados estaduais podem barrar a prisão de colegas determinada pela Justiça.

Segunda instância

Em fevereiro de 2016, o presidente do STF admitiu a execução da pena após condenação em segunda instância. Em discussões posteriores do tema, passou a defender uma tese intermediária, com a prisão após decisão do STJ. No julgamento deste mês, foi o voto de minerva pelo trânsito em julgado.

Estadão