Advogado de Flávio Bolsonaro abandona o caso

Análise, Ativismo político

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Num tom de voz acima do normal, mostrando irritação, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) postou ontem no YouTube um vídeo em que rebateu o cumprimento, na véspera, de 24 mandados de busca e apreensão em endereços de pessoas ligadas a ele e ao ex-assessor Fabrício Queiroz. O mais moderado – e também mais investigado – dos filhos do presidente da República, Jair Bolsonaro, atacou o juiz da 27ª Vara Criminal do Rio, Flávio Itabaiana, que autorizou a medida cautelar pedida pelo Ministério Público fluminense. Para a Promotoria, Flávio Bolsonaro é líder de uma organização criminosa que cometeu peculato por meio do esquema de rachadinha – prática de se apropriar de parte do salário de assessores legislativos. PM reformado, Queiroz é apontado como o operador financeiro do esquema. O advogado Paulo Klein deixou sua defesa ontem, alegando “questões de foro íntimo”.

No vídeo, Flávio Bolsonaro negou ter um patrimônio de R$ 9 milhões, que seria fruto, segundo o MP, da arrecadação de salários de uma rede de funcionários que empregou em seu gabinete quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio, entre 2007 e 2018. Flávio poupou os promotores de maiores críticas, centrou fogo no juiz Flávio Itabaiana e tentou politizar o caso, insinuando que adversários políticos, como o governador do Rio, Wilson Witzel, estariam por trás da “narrativa” contra ele. Também recorreu à providência divina. “Há uma perseguição absurda no Rio de Janeiro em cima de mim porque querem me atingir para tentar atingir o presidente da República. Não vão conseguir. Não entenderam que Deus está no comando de tudo?”, disse.

Flávio Bolsonaro afirmou que Itabaiana “virou motivo de chacota no Judiciário do Rio” e “autoriza tudo o que o Ministério Público pede sem sequer ter a preocupação e o cuidado necessário para avaliar o que está sendo pedido”. “Quebrou o sigilo fiscal e bancário de 95 pessoas, incluídas aí pessoas jurídicas, com apenas quatro linhas, sem nenhuma fundamentação”, criticou, em referência à primeira decisão tomada pelo magistrado no processo, em abril.

O primogênito do presidente afirmou que o juiz seria “incompetente” para julgar o seu caso, já que a investigação refere-se ao período em que era deputado estadual. “Não estou pedindo aqui foro privilegiado nenhum, não. Porque isso está fora da minha escolha, é o que diz a legislação”, disse.

O senador sugeriu que a imparcialidade de Itabaiana estaria comprometida porque a filha dele Natália Nicolau trabalha na equipe de Witzel, no Palácio Guanabara. O parlamentar afirmou que o MP do Rio também deveria investigá-la. “Vocês podem investigar, inclusive eu ouço falar, não sei se é verdade, que ela não aparece muito por lá, não. E, olha, é uma boquinha que parece ser boa”, disse.

Procurada, a assessoria do Tribunal de Justiça do Rio respondeu que Itabaiana “tem 24 anos de magistratura e assegura que suas decisões sempre foram devidamente fundamentadas, sendo por isso respeitado por magistrados, promotores, defensores, advogados e as partes envolvidas nas causas”. “Em relação à sua filha, o juiz informa que ela trabalha diariamente na Casa Civil do governo do Estado do Rio de Janeiro”, conclui a nota.

O Palácio Guanabara também comentou, em nota, a situação da advogada Natália Menescal Braga Itabaiana Nicolau, que trabalha na secretaria da Casa Civil como “secretária II”. “No cargo, é responsável pelo fichamento de processos, elaboração de ofícios, atendimento, organização da agenda e arquivos, entre outros serviços relevantes. A profissional é pós-graduada em processo civil e direito civil e trabalhou em escritórios de advocacia, tendo, portanto, vasta experiência na área cível e de direito público”, afirmou a assessoria, ressaltando que “a nomeação da advogada ocorreu 15 dias antes da distribuição eletrônica do processo de Flávio Bolsonaro ao juízo de direito da 27 Vara Criminal, onde atua o pai da servidora”.

Num segundo comunicado, assessoria do governador acrescentou que “Witzel respeita as instituições, não interfere no trabalho de investigação policial, nem sobre o Ministério Público”.

No vídeo de pouco mais de 14 minutos, Flávio Bolsonaro procurou rebater alguns dos pontos que embasaram o pedido do MP ao juiz Itabaiana. No relatório, os promotores apontaram que Queiroz recebeu R$ 2,062 milhões por meio de 483 depósitos em sua conta bancária. O dinheiro foi transferido por 13 servidores lotados no gabinete de Flávio, entre eles integrantes da família do ex-assessor. “Ele [Queiroz] já falou isso publicamente, que geria os recursos da família. A família depositava na conta dele e ele fazia o que queria com o dinheiro. Eu não tenho nada a ver com isso. Todos trabalhavam. Se deixa o salário todo na conta, se tira 100%, 30%, não importa. A pessoa faz o que quiser com o dinheiro que é dela”.

Flávio Bolsonaro também rebateu a acusação de lavagem de dinheiro por meio de sua empresa, uma franquia da loja de chocolates Kopenhagen, em sociedade com Alexandre Santini. De acordo com o MP, um dos indícios do crime é o fato de o parlamentar ter recebido mais lucros e dividendos do que o sócio, embora cada um fosse dono de 50% do capital. “Mas é óbvio, alguém tem alguma dúvida de que levo mais clientes para a loja do que ele?”, rebateu.

Valor Econômico