Bolsonaro só trabalha pela atenção do público
Aparentemente, falar besteira se tornou requisito indispensável para cargos ligados à cultura no governo federal.
O novo presidente da Funarte viu no rock um instrumento para levar jovens ao aborto e ao satanismo.
O novo presidente da Biblioteca Nacional associou músicos como Caetano Veloso e Gabriel o Pensador e a banda Legião Urbana ao analfabetismo. Seria criativo se não fosse ridículo.
Não se pode dizer, porém, que a saraivada de imbecilidades surpreenda. Afinal, ambos são leitores de Olavo de Carvalho, notório pelos absurdos e impropérios.
Foram nomeados por Roberto Alvim, apontado ao cargo de Secretário de Cultura depois de insultar Fernanda Montenegro.
E, por fim, os dois apoiam ardorosamente seu chefe maior e exemplo, Jair Bolsonaro, que, entre outras bobagens de magnitude similar ou maior, acusou sem provas Leonardo Di Caprio de financiar queimadas na Amazônia. Há coerência em toda essa ignorância.
Coerência e método. Embora estratégicas na cultura brasileira, nem a Funarte nem a Biblioteca Nacional são a princípio tão midiáticas quanto outras pastas do governo.
Não há grandes eventos que lhes sirvam de vitrine, como é a prova do Enem para o Ministério da Educação, por exemplo.
Ao contrário da área de Segurança Pública, a Cultura raramente – ou nunca? – pode montar grandes operações, mobilizando dezenas de agentes e uma logística complexa, que rendam manchetes e fotos para repercussão na imprensa e em grupos de WhatsApp de apoiadores. Num cenário desses, como garantir que Funarte e Biblioteca Nacional se mantenham na mídia?
Está claro que o jeito mais fácil é dar espaço a experts em declarações de alto volume e de baixo nível.
Mais do que apoio ou críticas, esse tipo de fala estapafúrdia quer capturar a atenção do público. É significativo que ambos os novos indicados tenham canais no YouTube – títulos bombásticos, ideias inusitadas ou inteiramente absurdas, um olho no conteúdo e outro nas reações que ele vai provocar, tudo isso são ferramentas para atrair audiência que foram aprimoradas em tempos de redes sociais, viralização e engajamento. Sem elas, dificilmente se sobrevive na chamada “Economia da Atenção”.
O termo foi usado por Michael H. Goldhaber num artigo de 1997 para a Wired (www.wired.com/1997/12/es-attention/).
No texto, o autor se opõe à ideia de que, após a Terceira Revolução Industrial, com a presença cada vez maior da informática em nossas vidas, teríamos entrado numa “Economia da Informação”.
Para Goldhaber, isso não faz sentido, pois há abundância de informação na internet, e economias tendem a organizar e gerir o acesso a recursos escassos (como a terra, numa sociedade agrária, ou o maquinário e a mão de obra, numa sociedade industrial).
Goldhaber argumenta que o recurso escasso na internet é a atenção – cada um de nós dispõe de uma pequena parte, limitada pelos nossos interesses e pelo nosso tempo.
Apesar desse grande insight, o artigo de Goldhaber tem lá seus pontos cegos. O autor passa batido pelo fato de que a informação, na verdade, não é tão abundante assim; para que ela tenha qualidade, é necessário investir tempo e recursos, o que a encarece e a torna escassa.
Da mesma forma, há en seu artigo um entusiasmo, que hoje soa infundado, pela Economia da Atenção, como se ela fosse inerentemente mais igualitária que a “Economia do Dinheiro” precedente, conforme ele escreve, e como se ela, na verdade, fosse algo distinto desta – argumento bastante discutível, para não dizer incorreto.
Os pontos cegos ficam ainda mais evidentes nas previsões de Goldhaber, como a de que as corporações e o governo perderiam espaço na nova economia, porque teriam dificuldade de concentrar e negociar atenção com tanta agilidade quanto indivíduos ou celebridades.
Na verdade, o que ocorre hoje é o oposto. Talvez pelo fato de que conseguem se impor sobre a atenção de todos, pela coerção financeira ou legal, as corporações e o governo se tornaram hoje os maiores detentores, os maiores polos de atenção; funcionam como grandes holofotes para os indivíduos que os dirigem.
Não é que as pessoas trocaram os governantes e os CEOs pelas celebridades; elas transformaram as celebridades e os CEOs em governantes. O presidente Trump que o diga.
Políticos como Bolsonaro e seus subordinados predam exatamente esse fluxo econômico de atenção de que Goldhaber fala.
As declarações abjetas ou absurdas capturam a audiência: a favor ou contra, o público fica sabendo delas, ajudados em grande parte pelos algoritmos de redes sociais, que favorecem discursos radicalizados. Isso se reverte em atenção, em conhecimento da marca, que pode ser capitalizado depois numa disputa eleitoral.
No poder, eles se beneficiam do fato de que a imprensa tradicional tem como obrigação repercutir suas medidas, o que atrai atenção para eles.
Daí basta insistir nas declarações abjetas ou absurdas para amplificar a própria presença. Aproveitam-se também do fato de que a cobertura jornalística com frequência é meramente declaratória (“tal pessoa disse isso”, “tal pessoa disse aquilo”, sem contestação na manchete). O público fica sabendo e o processo se retroalimenta.
Como romper o ciclo vicioso? Difícil saber. Ainda mais quando até a oposição parece presa nesse circuito, seja se engajando (com indignação) na repercussão de Bolsonaro e subordinados, seja produzindo suas próprias celebridades/governantes.
Uma resposta tem sido trazer especialistas e pessoas qualificadas para o centro das atenções, buscando aumentar o nível do debate e dar audiência a discursos embasados – uma tentativa de aliar celebridade e seriedade.
Mas há limites. Assim como informação de qualidade é rara e demorada, criando um vácuo que fake news e desinformação preenchem, especialistas e pessoas qualificadas têm um ritmo estranho à velocidade das redes e à necessidade de atenção constante.
Até conseguirem formatar seu conteúdo de modo que ele atraia o público, uma avalanche de youtubers histéricos, de capachos bolsonaristas e de políticos linguarudos já despejaram seus absurdos na imprensa, enquanto trabalham para desmontar as instituições e atacar qualquer manifestação cultural que não seja a seu favor.