Cai índice de formalização de domésticas
Foto: Leo Martins/Agência O Globo
As empregadas domésticas estão mais velhas, mais escolarizadas e menos protegidas. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que traçou o perfil dessas trabalhadoras mostra que a formalização ficou em 28,6% no ano passado, o menor nível desde 2013.
Naquele ano, o percentual de domésticas com carteira tinha ultrapassado os 30% pela primeira vez, atingindo o pico em 2016 (33,3%). Como consequência da crise, as famílias passaram a optar pelas diaristas — hoje, 44% das domésticas estão nessa categoria, sem carteira assinada, contra 36,8% em 2016.
A categoria vem passando por uma reestruturação com o crescimento do número de diaristas, afirma Luana Pinheiro, que assina o estudo ao lado das pesquisadoras Fernanda Lira, Marcela Rezende e Natália Fontoura.
— Com a crise, os encargos pesam, e as famílias optam por diarista. Impactos da lei de 2015 (que instituiu cobrança de horas extras e FGTS para domésticas) e da crise se confundem. Havia a expectativa de que, como diarista, a remuneração seria melhor. Se as relações fossem mais profissionais, haveria mais controle do preço cobrado, mas elas estão desprotegidas — explica.
O estudo mostra que, desde 1995, mudanças no mercado de trabalho, na economia e no acesso à educação levaram a uma transformação no perfil dessa categoria, que ocupa 5,7 milhões de brasileiras e responde por 14,6% do emprego feminino.
Se, há duas décadas e meia, quase metade das empregadas eram jovens com até 29 anos, hoje elas representam pouco mais de 13% do total. Enquanto isso, a proporção de idosas (60 anos ou mais) subiu de 2,9% para 7,4%. Atualmente, 79,2% das domésticas têm entre 30 e 59 anos, contra 50,2% em 1995.
Paralelamente, a escolaridade das empregadas cresceu. Em 1995, elas estudavam em média de 3 e 4 anos, segundo o Ipea. Em 2018, elas já tinham 7 anos de estudo, em média.
Andréa Barroso Mariano, de 44 anos, é diarista. Começou nesse trabalho ao se separar, há mais de 15 anos, mas a crise criou dificuldade para ela conseguir ter um rendimento maior. O ideal, ela conta, seria trabalhar três vezes por semana, mas Andréa demorou a conseguir a terceira casa. Só recentemente fechou mais uma faxina, o que lhe permite ganhar cerca de R$ 1.500 por mês. Duas patroas dividem o pagamento do INSS como autônoma.
— Fiquei uns quatro meses sem conseguir pagar o INSS — conta.
E a jornada é longa. Sai de casa às 5h15m para estar às 8h no trabalho. Só consegue chegar em casa, na Baixada Fluminense, perto das 20h:
— Quando chego, ainda vou fazer o jantar. Quero ver se consigo terminar meu salão de beleza. Tenho os equipamentos e uma sala em construção.
Conceição Fonseca Moreira, de 50 anos, trabalha os cinco dias da semana. Ela atua como doméstica desde os 16 anos, mas como mensalista, forma de contratação que ainda predomina. São 56% nessa condição, de acordo com a pesquisa.
— Vim de Saquarema (Região dos Lagos) com 16 anos para trabalhar. Fiquei durante cinco anos em uma casa e, depois, mais dez anos trabalhando e morando em outra. Após ter tido minha filha, quis ter minha própria casa. Poder pegá-la na creche e ir para casa.
Como diarista, recolhe R$ 108 de INSS como autônoma.
A situação vivida por Conceição quando veio para o Rio é praticamente residual hoje em dia. São apenas 46 mil morando na casa dos patrões, menos de 1% do total das empregadas.
Um círculo vicioso se rompeu nas últimas décadas. As filhas das domésticas estão em outras profissões. A prova disso é a mudança etária. Em 1995, 46,9% das domésticas tinham entre 16 e 29 anos. Essa parcela caiu para 13,4%.
A professora da UFF e especialista em gênero Hildete Pereira de Melo diz que o aumento da escolaridade dos jovens permitiu que se quebrasse essa transmissão entre gerações:
—Educação permite que as filhas das domésticas não repitam a trajetória das mães.
Atualmente, a média de anos de estudo entre as jovens de 19 a 29 anos é superior a dez anos, próxima da média do total de ocupados. E as cotas estão ajudando a aumentar a mobilidade social. Rosália Lemos, professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro e atuante no movimento feminista negro, diz que as cotas nas universidades ajudaram a mudar esse cenário, aumentando a escolaridade.
Mas, entre as mulheres negras, o serviço doméstico ainda é a principal atividade, juntamente com o comércio. Entre elas, 18,6% são domésticas. Entre as brancas, a parcela cai para 10%. Entre as empregadas, 68,4% são negras:
— As filhas das domésticas não são mais domésticas. Minha diarista formou a filha dela. Com a cota, estamos cortando esse cordão umbilical com a colônia — diz Rosália.
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Aos 63 anos, Tânia Regina Cabiúna da Silva trabalha em casa de família há 24 anos. Mas sua vida de trabalho começou no serviço administrativo. As sucessivas crises econômicas acabaram tirando a oportunidade de emprego da técnica de contabilidade. Há cinco anos, após se aposentar, começou a trabalhar como diarista na mesma casa:
— Vacilei em não ter seguido os estudos, mas criei meus dois filhos sozinha.
Tânia ganha dois salários mínimos, patamar alto para uma categoria na qual o rendimento médio não chega a um salário. Em 2018, era de R$ 873,10, abaixo do mínimo de R$ 954.