Em defesa de cotas, Bolsonaro critica cinema nacional
Dois dias após publicar o decreto que estabelece número mínimo obrigatório de exibição de filmes brasileiros nos cinemas do país em 2020, o presidente Jair Bolsonaro disse que a chamada “cota de tela” poderá ser extinta quando começarem a produzir “bons filmes”. Em transmissão ao vivo na internet nesta quinta-feira, ele criticou as produções nacionais.
— Obviamente que fazendo bons filmes, não vamos precisar de cota mais. Há quanto tempo a gente não faz um bom filme, não é? Não vou entrar nesse detalhe. Aliás os filmes que estamos fazendo a partir de agora não vai ter mais a questão de ideologia, aquelas mentiras todas de histórias passadas nossa, falando do período 1964 a 1985, mentiras do presente, é sempre fazendo a cabeça da população como se esse pessoal da esquerda foram os mais puros éticos e morais do mundo e o resto fosse o resto — disse o presidente.
As críticas de Bolsonaro acontecem no ano em que o Brasil ganhou diversos prêmios em festivais internacionais. Só no Festival de Cannes, foram dois – o Prêmio do Júri para “Bacurau”, e o da mostra Um Certo Olhar para “A vida invisível”. O país ainda tem chance de concorrer ao Oscar com o documentário “Democracia em vertigem”, de Petra Costa.
Bolsonaro disse ainda que os filmes brasileiros não atraem “200 espectadores” às salas de cinema. Em 2019, entretanto, pelo menos cinco filmes passaram de 1 milhão de espectadores.
— Vamos fazer alguns filmes, não posso zerar a cota. Agora, filmes diferentes dos que vinham sendo feitos. O que tinha de filme sendo feito que não dava, você botava lá um mês no cinema e não dava duzentos espectadores. Já há alguns em andamento. Vamos fazer filmes que interessam, da história do Brasil, da nossa cultura, da nossa arte, que interessa a população como um todo e não as minorias — disse.
Bolsonaro disse ainda que não citaria filmes que estão sendo produzidos na “Embrafilme” porque ficaria com “vergonha de falar.” No entanto, a Embrafilme, estatal de fomento a produção cinematográfica nacional, existiu de 1969 e 1990. A função atualmente cabe à Agência Nacional de Cinema (Ancine), fundada em 2001. Em julho, o presidente disse que não admitiria que “dinheiro público” financiasse filmes como o Bruna Surfistinha.
— Não quero nem citar o nome de filmes que eu peguei fazendo lá na Embrafilmes no corrente ano que eu fico com vergonha de falar — disse Bolsonaro, afirmando que não se trata de censura. — Nós não estamos censurando nada, mas quem quiser fazer filme que faça, mas não com o dinheiro público.
Ao longo do ano, o presidente afirmou algumas vezes que pretendia colocar “filtros” nos temas de filmes produzidos a partir de editais. O governo chegou a cancelar um edital para a TV pública porque ele contemplaria séries LGBT. A decisão foi revertida na Justiça. Nas últimas décadas, o cinema nacional cresceu graças a políticas públicas para o setor, sem intervenções sobre os roteiros das obras.
Conhecida como Cota de Tela, a obrigatoriedade da exibição de filmes nacionais nos cinemas foi estabelecida pela Medida Provisória 2.228 de 2001. O objetivo do dispositivo é proteger e fomentar a produção audiovisual no país. Todo ano, o Poder Executivo tem que publicar, até 31 de dezembro, os parâmetros da Cota para o ano seguinte — ou seja, por quantos dias uma sala deve abrigar um filme nacional ao longo de um ano.
O número de filmes brasileiros que devem ser exibidos varia de acordo com o tamanho das empresas exibidoras. Por exemplo, uma empresa que tiver apenas uma sala é obrigada a exibir por 27 dias filmes brasileiros em sua programação de 2020. O decreto anterior determinava 28 dias de exibição nesse caso.
— Eu sou obrigado a assinar um decreto para fixar uma cota, nesse último decreto meu, nós fixamos a menor cota da história, então estamos tirando o estado um pouco de lado — disse Bolsonaro, afirmando que a pressão para acabar com a cota de tela é do mercado de filmes de Hollywood.