Integralismo nunca deixou de existir no Brasil, diz pesquisador

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O integralismo, movimento de extrema-direita popular nos anos 1930 e que voltou à tona com o ataque a bomba na produtora do canal Porta dos Fundos na véspera de Natal, “nunca deixou de existir no Brasil”.

Quem afirma é o historiador Leandro Pereira Gonçalves, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor de uma série de livros e artigos sobre o integralismo, incluindo a biografia de Plínio Salgado, criador e figura central do movimento.

Dois coquetéis molotov foram lançados na madrugada do dia 24 na sede do programa humorístico — houve um princípio de incêndio no local e ninguém ficou ferido. No dia seguinte, um grupo usando o nome “Comando Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira” divulgou um vídeo reivindicando a autoria do ataque.

Neste dia 26, porém, o subsecretário Operacional da Polícia Civil, Fabio Baruck, disse a jornalistas que o grupo negou o ataque. “O vídeo é verídico, mas não se sabe se realmente foram eles. O grupo, que se diz integralista, já negou a autoria. Alguém colocou o vídeo e o grupo disse que não é deles “, disse.

Integralismo pulverizado

Com mais de 20 anos de estudos sobre integralismo, Gonçalves explica que o movimento se pulverizou desde meados dos anos 1970.

“O integralismo é a expressão máxima da extrema-direita brasileira. Não há na nossa história um movimento com tamanho impacto representativo e simbólico. Por isso ele sempre volta”, diz Gonçalves. “Com a morte de Plínio, em 1975, surge o que conhecemos como neointegralismo, uma fragmentação em diversos pequenos grupos neofascistas, que trazem novas características ao integralismo tradicional dos anos 1930, mas se mantêm ligados pela simbologia original.”

As principais células estão hoje em São Paulo e no Rio de Janeiro, segundo o especialista, e podem ser encontradas facilmente nas redes sociais.

“Diferente do que acontecia há 20 anos, os membros desses vários grupos têm hoje orgulho de se intitularem integralistas e dialogam intensamente entre si. Nas redes sociais, alguns publicam fotos de eventos com bandeiras da monarquia e armas pesadas pedindo o fim da República”, continua o professor.

“Nessa grande miscelânea de grupos que formam o integralismo brasileiro de hoje, nós identificamos desde policiais, ex-policiais e milicianos, até monarquistas.”

Monarquia

Dois coquetéis molotov foram lançados na madrugada do dia 24 na sede do programa humorístico — houve um princípio de incêndio no local e ninguém ficou ferido.

No dia seguinte, um grupo autointitulado “Comando Insurgência Popular Nacionalista da Grande Família Integralista Brasileira” divulgou um vídeo reivindicando a autoria do ataque.

“Quando a revolução integralista vier, todos estarão condenados ao justiçamento revolucionário”, diz um dos três homens. É dito no vídeo que o ataque teria sido realizado em represália ao especial de final de ano divulgado na Netflix pelo Porta dos Fundos em que Jesus é mostrado em um relacionamento homossexual com seu parceiro Orlando.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro investiga o caso e o suposto envolvimento do grupo que aparece com os rostos cobertos por máscaras, entre uma bandeira do império brasileiro, ícone monarquista, e a tradicional bandeira integralista, que traz ao centro a letra sigma maiúscula (Σ) — investigadores disseram que, a princípio, o caso não é tratado como terrorismo, mas não descartam qualquer hipótese.

Entretanto, a polícia disse que conversou com membros do grupo mencionado no vídeo e eles teriam negado a autoria e participação no ataque e também na produção e divulgação do vídeo. A polícia não deu maiores detalhes sobre a investigação e sobre os autores do vídeo.

Para Gonçalves, o grupo que reivindica no vídeo a autoria do ataque poderia ser uma dessas diversas células integralistas isoladas que se organizam em diferentes partes do Brasil.

E as referências à monarquia não surpreendem o historiador.

“Nos anos 1930, muitos monarquistas apoiaram o integralismo”, conta Gonçalves. “A Ação Imperial Patrionovista Brasileira foi fundada nesta época e defendeu um terceiro reinado nos anos 1930 e também o integralismo.”

Após o Estado Novo, em 1937, a Ação Integralista Brasileira criada por Plínio Salgado passou a existir na ilegalidade. Salgado ficou exilado em Portugal até 1946 e, de volta, se elegeu duas vezes deputado federal. Candidato à Presidência da República em 1955, teve mais de 8% dos votos e ficou em quarto lugar.

Com o fim do pluripartidarismo na ditadura, a partir do AI-2, em 1965, o pai do integralismo se filiou à Arena — Aliança Renovadora Nacional —, partido que formava a base de sustentação do governo militar. Foi uma de suas lideranças até 1975, quando morreu em decorrência de problemas pulmonares.

“A partir dos anos 1980, o integralismo brasileiro passa a incluir um novo diálogo com grupos violentos como os chamados Carecas do ABC e os skinheads fascistas”, diz o professor.

Mas parte da militância não deixa de lado a simpatia com o conservadorismo monarquista, que se mantém presente até hoje entre defensores do mote “Anauê” — saudação integralista normalmente acompanhada pelo gesto tradicional do braço direito estendido (semelhante às saudações fascistas de Benito Mussolini, na Itália, e nazistas na Alemanha de Adolf Hitler).

“Nos últimos cinco ou dez anos surgiram outros movimentos assim. Um dos mais importantes está no interior e na grande Rio e também une a simbologia da monarquia e do integralismo, com forte presença de armas e policiais”, continua o professor.

“A herança de defesa monárquica dentro do integralismo existe e se mantém até hoje.”

Violência

Uma das ramificações do integralismo original, a Frente Integralista Brasileira (FIB) informou, em nota, que “tomou conhecimento, por meio de publicações nas redes sociais, de um vídeo de um suposto grupo integralista que, usando máscaras, emprega indumentária integralista e afirma ter cometido um crime contra uma produtora de vídeos”.

“O grupo em questão é desconhecido pela FIB e não possuímos com ele qualquer relação. Não temos certeza sobre a autenticidade do vídeo, e por isso não descartamos a possibilidade de ter sido um material forjado com o fim de incriminar os Integralistas”, diz o grupo, que afirma que “entre os Integralistas é proibido o uso de máscaras para fins de militância.”

Questionado se a violência do ataque a sede do Porta dos Fundos é compatível com a ideologia integralista, o professor se lembra de um ataque contra Getúlio Vargas nos anos 1930.

“O último ato violento dos integralistas foi em 1938 e incluiu não só integralistas, mas também liberais e militares insatisfeitos com o Estado Novo”, conta.

“Em 1937, momento do golpe do Estado Novo, Vargas oferece propõe o Ministério da Educação a Plínio Salgado. Mas a oferta não se concretiza, Vargas vai enrolando e, em maio de 1938, os integralistas insatisfeitos atacam o Palácio do Catete com o objetivo de derrubar Vargas.”

O levante integralista fracassou e mais de mil homens foram presos. Salgado, nessa época, se exilou em Portugal.

Em dezembro do ano passado, o mesmo grupo que hoje reivindica a autoria do ataque à produtora anunciou que invadiu o campi da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e da UFF (Universidade Federal Fluminense) e queimou bandeiras antifascistas.

‘O liberalismo e o comunismo são faces da mesma moeda’

A retórica dos extremistas que aparecem no vídeo chamou atenção de muita gente nas redes sociais.

Nas imagens, eles fazem menções críticas a “burgueses”, ao “grande capital”, e à “grande corporação bilionária Netflix”.

Pelo Twitter, houve quem associasse os termos ao marxismo, em uma tentativa de associar os ataques a militantes de esquerda.

O professor explica a confusão. “‘O liberalismo e o comunismo são faces da mesma moeda’ é uma das frases mais conhecidas de Plínio Salgado”, diz.

“O integralismo é na essência anticomunista e antiliberal. Então, existe um discurso ativo e representativo contra o capital, os bancos, a influência estrangeira. O integralismo diz que o comunismo e o capitalismo tem a mesma base, uma base judaica. E aí vem uma questão antissemita importante.”

O lema do integralismo de Plínio Salgado, “Deus, Pátria, Família”, voltou à tona como mote do lançamento da Aliança Pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro tenta criar para as próximas eleições.

“O ambiente político no Brasil contribui com a ascensão de ideias conservadoras e reacionárias”, diz o historiador.

“O Brasil de hoje se tornou um ambiente fértil, propício para o tipo de fala que se vê no vídeo e para atos que podem se tornar violentos. Hoje, esses homens sabem que podem posar com uma metralhadora e não serão questionados. Ao contrário, muitos baterão palmas.”

BBC.