Justiça alivia com torturadores de jovem negro
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A Justiça de São Paulo inocentou os ex-seguranças Davi de Oliveira Fernandes e Valdir Bispo dos Santos da acusação de tortura envolvendo o episódio em que chicotearam um adolescente negro flagrado tentando furtar uma barra de chocolate em agosto, no supermercado Ricoy, na zona sul de São Paulo. Em julgamento realizado nesta quarta, 11, eles foram condenados pelos crimes de lesão corporal, cárcere privado e divulgação de cenas de nudez.
A sentença foi dada pelo juiz Carlos Alberto Correa de Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que imputou a Davi e Valdir as penas de 3 anos e 10 meses reclusão e 3 meses e 22 dias de detenção, além de 12 dias multa.
O Ministério Público de São Paulo vai recorrer da decisão.
Os seguranças estavam reclusos desde o dia 16 de setembro, quando a Justiça decretou a prisão preventiva dos dois. Nesta quarta, 11, Oliveira referendou tal decisão, considerando a ‘quantidade de pena aplicada e as peculiaridades do caso, o qual envolve grave violação de direitos humanos, com risco de fuga dos acusados e até risco para a vítima’.
Na decisão, o magistrado considerou que não houve crime de tortura, ‘uma vez que as agressões infringidas ao menor não foram com a finalidade de obter informações e também não foram aplicadas por quem estava na condição de autoridade, guarda ou poder’.
“O que de fato ocorreu foi um crime de cárcere privado, este qualificado pelo intenso sofrimento físico e moral a que foi submetida a vítima”, afirmou.
Em outro trecho da sentença, o magistrado indica que os atos de violência não tinham o condão de obter informações, mas ‘aplicar uma reprimenda e uma humilhação’ ao jovem, ‘acabando por representar ato de sadismo’.
Oliveira registrou que a tipificação do crime de tortura tem como base uma ideia de autoridade, deixando de considerar a “conduta de pessoas que apenas usam do castigo injustificado e imoderado como um meio de afirmação, como ocorre nos chamados ‘Tribunais do Crime’ ou no próprio ato de ‘Linchamento’ quando não ocorra evento mais grave”.
“O que os réus fizeram foi extremamente grave, causa intensa revolta no homem comum e ainda demonstra o quanto miseráveis de sentimentos e valores algumas pessoas podem se tornar se não observado o limite da humanidade. Porém, não está na repulsa à conduta praticada pelos acusados, a justificação para se flexionar a interpretação da lei para castigar com maior rigor, o que pode nos colocar em situação assemelhada à dos acusados no tocante à violação da lei”, apontou o magistrado.
O crime de tortura é considerado hediondo e por isso tem uma pena maior do que o de lesão corporal.
“A inércia do Estado pode levar à violência, em face do abandono de pessoas que se tornam criminosas, como pela reação das vítimas que não acreditam no Estado e reagem, desproporcionalmente, contra os criminosos, passando a se tornarem criminosos também”, indicou ainda Oliveira.
O advogado e conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos que acompanhou as investigações do caso, Ariel de Castro Alves, viu como ‘lamentável’ que os réus não foram condenados pelo crime de tortura.
“O adolescente estava sob o poder e autoridade dos agressores e a tortura foi utilizada como castigo em razão do furto no mercado. Os acusados deixaram ele nu. Depois foi amordaçado, chicoteado, humilhado e ameaçado. O que mais faltou para ser considerado tortura?”, afirmou.
As agressões ao jovem negro no supermercado Ricoy viraram alvo de inquérito policial após cair na internet o vídeo em a vítima é açoitada completamente despida.
A investigação culminou na denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado no dia 16 de setembro, que atribuiu aos seguranças a prática dos crimes de tortura, cárcere privado e divulgação de cenas de nudez por causa da divulgação de imagens por celular.
Em depoimento prestado ao 80º Distrito Policial, da Villa Joaniza, no Sul de São Paulo, o rapaz afirmou que, ‘em data que não recorda, ‘dentro do Supermercado Ricoy, instalado no local dos fatos, apanhou das gôndolas uma barra de chocolate e tentou sair sem efetuar o pagamento’. “Foi abordado na saída pela pessoa de Santos, segurança do local, o qual conhece já há algum tempo”.
“Ele foi auxiliado por Neto que juntos levaram a vítima até um quarto nos fundos da loja”, narrou.
O jovem acrescentou. “Ali a vítima foi despida, amordaçada, amarrada e passou a ser torturada com um chicote de fios elétricos trançados. Ali, permaneceu por cerca de quarenta minutos, sendo agredido o tempo todo”.
“Não sabe dizer se mais alguém percebeu que aqueles seguranças o levaram para dentro daquele quarto onde foi espancado”, consta no termo de depoimento.
“Depois de apanhar bastante foi liberado pelos agressores e não quis registrar boletim de ocorrência pois temia pela sua vida. Na saída do supermercado ouviu santos dizer que caso falasse algo para alguém iria matá-lo”, concluiu.