No DF, refugiados vencem a fome mas sofrem com desemprego
O medo de ver os filhos passarem fome levou Saionaris Benega, 35 anos, e Ricardo Perez, 47, (foto em destaque) a tomarem uma decisão desesperada. Temendo a miséria, o casal cubano teve de deixar o país natal às pressas. Escolheram o Brasil como destino. Compraram uma passagem para Guiana Francesa, onde pagaram e confiaram sua vida a “coiotes” – responsáveis por atravessar imigrantes pelas áreas de fronteira. Ao longo da passagem, enfrentaram fome, densas florestas tropicais e a dor de ficar distante dos filhos.
“A gente chora todos os dias, mas não quero viver aqui o que vivi em Cuba. Precisei deixá-los com a avó. Os dias não passam, a dor é incomparável, e enquanto tudo isso não passar, vamos sofrer. Mas sabemos que estamos sofrendo para lhes dar uma melhor vida”, diz Saionaris, em alusão aos filhos de 14 e 15 anos que precisou deixar em Cuba.
O casal está no Brasil há dois meses e, mediante apoio de organizações não governamentais (ONGs), desembarcou na capital do país. Foram acolhidos pela comunidade local. Atualmente, os dois moram de favor numa casa em São Sebastião. No imóvel, dividem espaço com outros três refugiados: dois cubanos e um venezuelano. A comida que chega até eles é por meio de doações.
Abrigado, Ricardo tem esperança de jamais reviver os difíceis momentos pelos quais passou em Cuba. Usa a saudade que tem dos filhos como força para reconstruir a vida no DF. “Foi para isso que eu vim: por melhor qualidade de vida, buscando bem-estar. Lá, o salário me servia para comprar comida suficiente para apenas dois dias. Passamos fome. Tive medo de não conseguir viver honestamente e ter de recorrer ao crime”, lamentou.
À procura de trabalho na capital, o casal de cubanos encontrou uma realidade já comum à de 313 mil brasilienses: o desemprego. Somada à falta de oportunidades, o impasse de se adaptar ao português dificulta que os refugiados consigam ocupação.
São raros os casos em que imigrantes recém-chegados conseguiram emprego no Distrito Federal. O cubano Roy Rodriguez Francis, 32, sabe que está entre as minorias. Assim como Ricardo e Saionaris, também deixou Cuba em busca de melhor qualidade de vida. A fuga contou com a companhia de seu irmão Yisler Morales Rodriguez. Hoje, todos moram no mesmo imóvel, em São Sebastião.
Formado em educação física, o refugiado trabalha como garçom no DF e sente na pele a dificuldade de se comunicar com clientes e colegas de trabalho. “A maior frustração que tenho é de que me formei e nunca consegui um emprego na minha área. Estudei para não conseguir um emprego”, destacou.
“Vítimas das circunstâncias”
Levantamento da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) mostra que, durante 2018, 5,5 mil venezuelanos deixavam o país diariamente. Ao final do último ano, 4 milhões de pessoas abandonaram o país cuja economia é uma das mais pobres do continente. Entre os destinos mais escolhidos pelos refugiados está o Brasil, devido à proximidade entre as fronteiras.
Os números da Acnur apontam ainda que, no último ano, chegou a 89 mil o montante de imigrantes fugidos da Venezuela e que desembarcaram em território brasileiro. Do total, a agência atesta já ter realocado pelo menos 5 mil deles em 17 diferentes estados e no Distrito Federal. Outros 64 mil receberam assistência jurídica para se registrarem e requererem refúgio no Brasil.
O intenso fluxo migratório de venezuelanos começou ainda em 2015, no governo de Hugo Chávez, quando o país passou a sofrer com grave crise socioeconômica. O impacto do rombo provocado pela queda do Produto Interno Bruto (PIB) nacional reverberou durante o governo sucessor, de Nicolás Maduro.
Desde então, famílias se viram obrigadas a deixar o país com medo da violência, da insegurança e em decorrência da falta de alimentos, remédios e serviços básicos. De acordo com a Acnur, os países estrangeiros que abrigaram os refugiados já caminham para a saturação de sua capacidade de recepção. Organizações humanitárias enfrentam dificuldade para oferecer abrigo a esse público.
A família de José Ângel Pérez Lopez (foto abaixo) está entre os venezuelanos que precisaram deixar a terra natal após virarem “vítimas das circunstâncias”. “Eu trabalhava transportando combustível para a PDVSA [Petróleos de Venezuela] e eles simplesmente pararam de me pagar. Sem dinheiro, não tinha o que comer. Foi quando tomei a decisão de que precisava sair de lá”, conta.
Em uma atitude desesperada, Lopez e a mulher Jéssica Tovar decidiram vender todos os bens que tinham em casa – roupas, móveis e eletrodomésticos. Com o dinheiro, o casal comprou passagem para a família com destino a Pacaraima, em Roraima.
Lá, moraram em refúgio por pouco mais de um mês e seguiram para Boa Vista (RR). Na capital do estado, receberam o convite da Organização Nacional de Imigração (OMI) para residirem em Brasília.
Eles também estão entre os desempregados da capital. Vivem de “bicos”, mas, mesmo assim, afirmam que a realidade atual da família ainda é melhor do que a vivida em seu país natal. “Cheguei pesando 39 quilos, meus filhos estavam desnutridos. Hoje, temos o que comer. Mesmo com todas as dificuldades, a vida aqui ainda é boa”, destacou Jéssica.
Em um imóvel vizinho ao do casal José Ângel e Jéssica, uma família de quatro venezuelanos divide a mesma cama todas as noites. Recém-chegados, alimentam-se com cestas básicas doadas pela comunidade e por instituições de caridade.
O pouco dinheiro arrecadado com trabalhos esporádicos não pode ser gasto com aluguel e comida. A quantia está reservada para pagar as passagens aéreas dos demais parentes que precisaram ficar na Venezuela por falta de recurso financeiro.
Com dificuldades para falar português, os quatro moradores da residência também compartilham do desespero de não terem, ainda, uma fonte de renda. “Alimento não tem faltado, mas não posso deixar minha esposa na situação em que ela está lá na Venezuela. Eu preciso trabalhar, correr atrás desse dinheiro pela minha família”, frisou Lucilo Quintero.
Todas as famílias que tiveram o drama contado pela reportagem são assistidas por um grupo de moradores de São Sebastião. Atualmente, de acordo com os organizadores, são 60 famílias de imigrantes amparadas pela organização. Se você se sensibilizou com a história dos refugiados e deseja ajudá-los de alguma forma, entre em contato pelo telefone: (61) 9-8255-9684 [Larry Vitorino].