Novo Mais Médicos também tem médicos cubanos

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Foto: Reprodução

Uma nova versão do Programa Mais Médicos foi aprovada recentemente pelo Senado Federal e depende apenas de sanção presidencial para entrar em vigor. Denominado de Médicos pelo Brasil, o programa tem o objetivo de ampliar a oferta de serviços médicos em locais afastados ou com população vulnerável.

A principal novidade do projeto é a reincorporação dos médicos cubanos ao programa, por mais dois anos. Poderão pedir a reincorporação aqueles que estavam em atuação no Brasil no dia 13 de novembro de 2018 e tenham permanecido no país após o rompimento do acordo entre Cuba e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que intermediava a participação dos cubanos no programa brasileiro. Outra condição é que o profissional tenha permanecido no território nacional até a data de publicação da MP 890/2019 (1º de agosto), na condição de naturalizado, residente ou com pedido de refúgio.

Políticos são políticos e defendem ideologias, interesses próprios, quando o alvo deveria ser a sociedade. Nesse sentido, será irônica será a assinatura do presidente Jair Bolsonaro em liberar a reincorporação dos médicos cubanos, após uma gigante polêmica antes de assumir o cargo mais importante do país. As reservas do presidente com relação ao Mais Médicos são de longa data. Em 2013, Bolsonaro, então deputado federal, entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão do programa. As principais alegações dele à época eram de que a medida provisória não atendia aos requisitos legais que exigem caráter de urgência ou emergência. Bolsonaro também criticava o mérito do programa, em razão da contratação de médicos estrangeiros e da adição de dois anos de atuação no Sistema Único de Saúde no currículo de estudantes de Medicina.

O então parlamentar apontava “desdobramentos inevitáveis” para a Previdência Social, além de aspectos de “extrema preocupação para a segurança nacional” devido ao aumento de estrangeiros residindo no Brasil. O que mudou agora? O balanço sobre a presença dos cubanos foi positivo para o país?

Esse novo programa indica que algumas dessas preocupações mostraram-se infundadas. Sem dúvida, o início do programa provocou uma grande polêmica com a chegada dos profissionais cubanos. De acordo com o Ministério da Transparência, muitas prefeituras brasileiras aproveitaram as contratações do programa para demitir outros médicos que já trabalhavam nas cidades. Algumas instituições, como o CFM, consideraram o programa como programa de caráter eleitoreiro e sem condições de oferecer ao País as soluções definitivas para o acesso à assistência em saúde.

Outra ironia é fazer um novo programa que é a cópia do anterior. Houve um lapso de quase um ano sem um programa efetivo para atender a população dos cantos mais distantes do país de maneira efetiva.

A falta de continuidade das políticas de saúde, mesmo as que parecem acertadas, é uma das causas da perpetuação dos problemas do cenário atual: o subfinanciamento do sistema, problemas de gestão, relação entre o SUS e o sistema privado de saúde, burocracia exagerada e, principalmente, a corrupção e fraudes, estas últimas pelas quais escoam os recursos da saúde.

Embora muito parecido com o programa anterior, o Médicos pelo Brasil diminuiu o alcance do programa, o que é objeto de crítica e louvores. De acordo com o novo programa, os principais alvos serão os locais com dificuldade para se manter médicos: municípios com população pequena, baixa densidade demográfica e grande distância de centros urbanos. São 13 mil vagas em áreas prioritárias, 7 mil vagas a mais que o Mais Médicos, sendo 4 mil no Norte e Nordeste, o que é positivo. Segundo o Ministério da Saúde, a atenção à saúde em municípios de médio e grande porte, será estimulada pelo programa Saúde na Hora, que oferece incentivo financeiro para Unidades de Saúde da Família que ampliarem horário de atendimento à população.

Outra diferença é que o novo programa será conduzido por uma agência criada pelo Poder Executivo. A Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) funcionará na forma de serviço social autônomo, com personalidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos. A Adaps poderá desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão na área médica e executará o programa, contratando os médicos, realizando convênios com órgãos e entidades públicas e privadas e promovendo o desenvolvimento e a incorporação de tecnologias assistenciais e de gestão. Por que subordinar o programa a essa agência? Aliás, em uma área em que faltam recursos por que criar mais despesas?

Bastante peculiar, entretanto, é o fato de a MP propor que hospitais universitários federais firmem convênios com planos privados. Sem dúvida, essa inovação abre caminho para a implantação da dupla porta de entrada nos hospitais universitários e deve ampliar iniquidades e injustiças no atendimento. Não obstante, não só por médicos é formada a assistência à saúde. O programa cuida da contratação de médicos, mas não de outros profissionais de saúde, os quais podem (e muito!) contribuir para a melhoria da saúde no país, como já ocorre em outros lugares no mundo. Ademais, além da necessidade de uma equipe multidisciplinar, a melhoria na assistência depende de uma rede que permita a realização de exames básicos com maior agilidade e acesso a profissionais especializados para encaminhamento de casos mais graves.

Vale lembrar que os recursos para a saúde no Brasil são escassos e vive-se uma crise sem fim no atendimento básico. Deve haver investimentos significativos também na formação dos médicos especialistas para que, a longo prazo, as carências de profissionais sejam supridas e para que esses profissionais se fixem em regiões carentes de toda espécie de atendimento.

Ressalte-se que, durante a vigência do programa Mais Médicos, o “avanço” na assistência à população foi, no mínimo, repleto de contradições e limitações. Nem por isso, deixa de ser louvável como política de saúde pública. Se esperança é a marca do brasileiro, ela se renova com a perspectiva desse “novo” programa para que o atendimento básico da saúde da população brasileira ganhe novos caminhos.

Estadão