Para agradar milicos, Bolsonaro aumenta diárias em 100%
Jair Bolsonaro e sua equipe econômica preparam mais agrados no fim de ano para os militares e seus familiares. Sentado ao lado da piscina do Palácio do Alvorada, o presidente mostrou-se sensível às reivindicações fardadas e, confirmou no sábado ao repórter Mateus Vargas o envio, neste período natalino, de um novo projeto de lei à Câmara. Quer aumentar em 100% a diária paga à tropa, um complemento ao soldo.
Bolsonaro, cujo equipe econômica deseja taxar os desempregados para desonerar empresas, diz que “já está tudo acertado”. É ele quem faz o cálculo: “Porque um soldado nosso que está na linha de frente trabalhando de domingo a domingo ganha diária de R$ 25. Conversei com a equipe econômica e pode passar para R$ 50. Não acho que é muito dar R$ 50 de diária para ele, mas para ele é um reconhecimento de nossa parte.” Sem dúvida, um belo presente.
O ano de 2019 foi assim. Enquanto todas as demais categorias do funcionalismo se mobilizaram contra a reforma da Previdência, os militares – e os policiais militares – foram os únicos que foram ao Congresso defendê-la. Estavam em jogo ali a recomposição salarial de até 40% dos vencimentos e a manutenção da integralidade das aposentadorias e da paridade com os salários da ativa – de sargentos a generais –, escapando das regras impostas aos demais trabalhadores.
Em 2020, todos terão de trabalhar mais anos, descontar mais de seus vencimentos e ainda vão receber menos de aposentadoria do que os militares. Além disso, os investimentos da Defesa estarão blindados contra as mãos de tesoura de Paulo Guedes. Já o orçamento das universidades federais, onde, segundo o dançarino Abraham Weintraub há maconha, orgia e balbúrdia, estará na chuva, sem proteção alguma.
Os policiais federais, os fiscais do Ibama e os professores podem se perguntar por que não merecem o mesmo reconhecimento reservado aos soldados? O governo pode alegar problemas de caixa, obrigando o contingenciamentos de investimentos nos ministérios, e a responsabilidade fiscal para equilibrar suas contas. De fato. Mas nada disso impedirá que a tropa tenha no próximo ano o que nenhum outro estamento ou grupo terá.
O aumento da diária paga aos militares não é a única benesse tramada por Bolsonaro. O repórter Felipe Frazão mostrou que o presidente ouviu no domingo os apelos de uma dependente de ex-militar das Forças Armadas. Ela queria a volta da emissão de carteira de identidade militar para familiares de reservistas não remunerados. O presidente disse que o custo é alto, cerca de R$ 40 milhões, e que a emissão foi suspensa por Dilma Rousseff. “Mas Bolsonaro editou decreto que autoriza a volta da emissão. A partir de outubro de 2020”, informou Frazão.
A sensibilidade do presidente quando se trata dos militares cria um contraste em sua administração. Rolf Kuntz observou que o suposto liberalismo dessa gestão se parece cada vez mais com darwinismo social. E completa: “O governo vincula tanto a reforma tributária à eliminação de encargos trabalhistas, mas jamais discute, por exemplo, os defeitos do ICMS”. A repercussão das benesses à tropa, que se acumulam mês a mês, começa a preocupar alguns oficiais.
É certo que os salários nos quartéis estavam defasados havia mais de uma década. É ainda verdadeiro que os militares perderam em 2001 vantagens que outros – magistrados e procuradores – ainda mantém. Mas o princípio da isonomia de direitos não deve servir de escusa à disseminação de privilégios. Também é correto que os militares devem ser valorizados e respeitados diante dos imensos sacrifícios que fazem pelo País. Mas a crise fiscal do Estado, obstáculo maior à reparação das injustiças financeiras, também é real.
Oficiais gostariam que os padrões militares de comportamento, nos quais a honra e o dever estão acima do interesse próprio, sem que nada se espere em troca pelo sacrifício à Nação, servissem de obstáculo a algumas das ações de Bolsonaro. Diante dos modos do presidente, eles lembram que o capitão há muito deixou a caserna. Transformou-se em político. E adquiriu costumes e defeitos dos palanques, como o clientelismo e o populismo.
Bolsonaro passou tempo demais em cerimônias nos quartéis em 2019. Oficiais pensam que os generais que o acompanham no Planalto deviam lembrar ao presidente que quem fala com a tropa são os comandantes e não os políticos em busca de voto. Há quem acredite que só assim se evitará o risco de a reestruturação necessária à modernização do Exército parecer concessão de privilégio. Se falta sensibilidade ao governo, não devia faltar cálculo. Basta fazer uma conta simples: o salário mínimo aumentará R$ 33 em 2020. Pouco mais do que deve crescer a diária de um soldado.