PGR pró Bolsonaro quer controlar caso Marielle

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: João Américo / Agência O Globo

A Procuradoria-Geral da República (PGR) voltou a ressaltar a necessidade da federalização das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes para encontrar e responsabilizar os mandantes do crime. Nas alegações finais entregues ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) — que deve decidir até o fim do ano se o caso fica à cargo do Ministério Público do Rio ou sob os cuidados da PGR — a subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araujo, afirma que a “situação atual de impunidade em relação aos mandantes dos crimes tem-se tornado perene” pela “inércia dos órgãos estaduais na conclusão das investigações”.

O comando da PGR defende o entendimento da antecessora Raquel Dodge, que pediu a federalização do caso em 17 de setembro . Lindôra argumenta que os órgãos estaduais são “incapazes de cuidar do crime” e que, portanto, manter as investigações no âmbito estadual pode configurar um “desrespeito às obrigações internas de garantia de direitos humanos e gerar o risco de mais uma derrota do Brasil nas cortes internacionais”.

“Passados quase nove meses do oferecimento de denúncia contra duas pessoas apontadas pelo MP-RJ como executores do duplo homicídio, até o momento não se tem notícia da identificação dos mandantes e de sua responsabilização criminal. O que há de concreto é a suspeita veemente, e até agora não superada por provas contrárias pelas autoridades estaduais, de ligação de policiais da Delegacia de Homicídios – DH (responsável pela investigação) com o Escritório o Crime”, afirma a PGR no documento.

A subprocuradora diz ainda que a realidade não é apenas de não identificação dos mandantes dos assassinatos, mas de indícios de que a Polícia esteja comprometida para apurar os crimes. Lindôra diz que a “federalização do caso emerge como tábua de salvação da responsabilização criminal dos mandantes”.

“O tempo está passando, não se sabe dos mandantes e é possível que a investigação esteja, ainda que parcialmente, sob a influência de fato, ainda que remota, de envolvidos com o Escritório do Crime. O que se observa concretamente é que, desde que instaurado o presente IDC, permancesse a inércia dos órgãos estaduais na conclusão das investigações, em especial quanto aos mandantes do bárbaro crime”, diz nas alegações finais.

Em entrevista à colunista Bela Megale, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a federalização da investigação

— Com os fatos novos, recomenda-se a federalização, porque o ambiente do Rio de Janeiro está cada dia mais confuso. — disse Aras à coluna.

Os fatos mencionados pelo PGR são a citação do nome do presidente Jair Bolsonaro na investigação pelo porteiro de seu condomínio, na Barra da Tijuca — que depois voltou atrás no que disse — e uma representação movida pelo jornalista Luis Nassif contra o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), por ameaça. A ação foi enviada por Aras ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e acolhida pela corte. O PGR disse que “se havia dúvida quando sobre a federalização, esses fatos novos a recomendam”.

Para pedir a federalização do caso, Dodge se baseou, principalmente, no relatório da Polícia Federal — responsável pela “investigação da investigação” , pedida pela própria procuradora no dia 1º de novembro do ano passado, após desconfiar de denúncias feitas pelo miliciano Orlando de Curicica — que apontou, com base em depoimentos, interceptações, busca e apreensões e análise de conversas via aplicativo de mensagens WhatsApp, que o ex-deputado estadual e conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) Domingos Brazão é o principal suspeito de ser o autor intelectual dos assassinatos de Marielle e Anderson.

A suspeita da PGR é que Brazão tenha utilizado o policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, que era funcionário de seu gabinete no TCE-RJ, para atrapalhar as investigações do caso, plantando uma testemunha falsa, que era Rodrigo Ferreira. A investigação aponta suspeitas de que o conselheiro tenha ligação com o grupo miliciano conhecido como Escritório do Crime, que pode estar por trás do duplo homicídio.

A pouco mais de um mês para o recesso do Judiciário, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) deve decidir, até o fim do ano, se federaliza ou não o caso Marielle . O colegiado é formado por 10 ministros, mas como o presidente da seção, Nefi Cordeiro, não vota, caberá aos outros nove julgar se a investigação sobre os supostos mandantes das mortes de Marielle e Anderson continuará com a Polícia Civil e MPRJ ou se passará para as mãos da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF).

Em conversas com o GLOBO, ministros da Corte disseram, reservadamente, que o colegiado está dividido, embora haja uma discreta tendência de manter o caso na esfera estadual. A próxima sessão, a penúltima do ano, está marcada para o próximo dia 27 de novembro. Há uma expectativa de que a relatora Laurita Vaz já coloque em votação o Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), nome técnico do pedido de federalização. A outra hipótese é de ser incluído na pauta de 11 de dezembro, última sessão de 2019.

O pedido de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), como é chamado, chegou ao STJ na terça-feira (17 de setembro), mesmo dia em que Dodge revelou, em coletiva de imprensa, que tentaria levar a investigação sobre os mandantes do crime para a alçada federal, e contou, também, ter protocolado denúncia contra Brazão e outras quatro pessoas, por tentarem obstruir o trabalho dos investigadores. Já está definido que a relatora será a ministra Laurita Vaz. Após apreciação, junto ao júri da 3ª seção, será definido se o caso mudará ou não de mãos.

Processos de IDC são raros. Na história, apenas 24 foram protocolados no STJ — quatro só por Dodge, todos às vésperas de deixar a procuradoria-geral — , e o tempo para a conclusão de cada um é tido pelos órgãos envolvidos como imprevisível. Assim como a forma como ele será conduzido: apesar de sua constitucionalidade, IDCs não possuem uma regulamentação que defina um padrão para este tipo processo. Uma fonte afirmou ao GLOBO que uma decisão deve sair em aproximadamente três meses, e que os oito juízes tendem a decidir pela federalização .

Antes deixar a PGR, Raquel Dodge protocolou os seguintes pedidos de federalização: processos da Chacina na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, que aconteceram nos anos 1990, investigações sobre assassinatos em Rondônia ligados à exploração ilegal de madeira, e as apurações referentes a supostas violações dos direitos humanos a adolescentes internos do sistema socioeducativo do Espírito Santo.

O Globo