Por que “Moro de saias” foi cassada
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A parlamentar é acusada de caixa 2 e abuso de poder econômico na disputa eleitoral de 2018, o que sua defesa nega.
O tribunal também declarou que a parlamentar está inelegível por um período de oito anos — e determinou que sejam convocadas novas eleições para senador no Mato Grosso.
Ela pode permanecer no cargo até a publicação do acórdão (a decisão do tribunal), o que não tem data prevista para acontecer. Só após a publicação o Senado poderá notificar a senadora.
Selma Arruda pode recorrer da decisão do TSE, mas isso não impediria a perda do mandato, que é efetivada – sem necessidade de votação – pelo Senado (Mesa Diretora, também liderada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre).
Após a divulgação do resultado, a assessoria de Selma emitiu uma nota, conforme reproduzido pela imprensa brasileira, em que diz que prevaleceram “vontades políticas” em seu julgamento, mas que recebeu a notícia com “equilíbrio, respeito e serenidade”.
“Apesar das vontades políticas terem prevalecido no seu julgamento, a parlamentar acredita que o resultado traz uma lição muito importante sobre a necessidade da luta diária para livrar o país de corruptos”, diz trecho do texto.
O combate à corrupção foi a principal bandeira de Selma na campanha — e ela continuou trabalhando o tema no Senado.
Também na terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça da Casa aprovou um texto relacionado ao tema, e do qual Selma Arruda é relatora.
O projeto de lei em questão, aprovado por 22 votos a um, prevê a alteração do Código de Processo Penal (CPP) restabelecendo a prisão após a condenação em segunda instância — que era a regra até o dia 7 de novembro, quando o STF decidiu que ninguém pode ser preso antes do fim do processo judicial.
O texto, que ainda precisa ir a plenário, será submetido a uma votação em turno suplementar na manhã desta quarta-feira, uma vez que houve alterações na versão original.
Selma Arruda é acusada de abuso de poder econômico e de “caixa 2” durante as eleições de 2018 — o que a defesa da parlamentar nega.
Em abril, ela teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Mato Grosso. Mas pode recorrer, junto a seus suplentes, ao TSE, que agora manteve a cassação.
Antes do início da campanha oficial, ela recebeu um empréstimo de seu suplente, o fazendeiro Gilberto Possamai, no valor de R$ 1,5 milhão — a soma não foi informada à Justiça Eleitoral. Com este dinheiro, ela contratou empresas de pesquisas e de marketing antes do início da campanha formal.
Para a acusação, trata-se de “caixa 2” e de abuso de poder econômico, pois ela teria antecipado o início da disputa eleitoral. Já a defesa da senadora alega que não se tratava de atos de campanha, e que os gastos não precisavam ser declarados.
“Ela diz que foram gastos com pré-campanha, mas não dá para dizer isso. É jingle eleitoral, cartaz com número eleitoral. Não tem como dizer que é gasto pré-eleitoral; é óbvio que são gastos de campanha”, diz à BBC News Brasil o advogado e ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Ele atua no processo como advogado de Carlos Fávaro (PSD), candidato ao Senado derrotado em 2018, e defendeu a cassação de Selma Arruda na última terça (03), quando o assunto começou a ser julgado no TSE.
“Tudo aquilo que ela só poderia fazer durante a campanha, ela contrata antes (…). Ela sai na frente dos outros candidatos, violando a legislação; e portanto abusa do poder econômico. E segundo, é uma forma de ela não contabilizar as despesas. É ‘caixa 2’, porque deste dinheiro não se prestou contas (à Justiça Eleitoral)”, diz Cardozo.
Segundo ele, a lei eleitoral permite que candidatos recorram a empréstimos, desde que estes sejam concedidos por instituições financeiras; de que sejam oferecidas garantias pelo candidato; e que fique provado que este tem condições de pagar. E, de acordo com ele, nenhuma das três condições teria sido cumprida por Selma Arruda.
Já a defesa da ex-juíza ressalta que o empréstimo foi uma mera formalidade – a renda de Possamai o permitiria ter doado até R$ 3 milhões para a candidata. “É um dinheiro privado, uma relação entre particulares. Ele poderia ter doado para ela, inclusive. A acusação tenta criar uma cortina de fumaça questionando a origem do dinheiro. A origem é lícita, o primeiro suplente é um agricultor conhecido no Estado, com patrimônio expressivo”, diz o advogado eleitoral Gustavo Bonini Guedes, que defende a senadora.
“Isto é irrelevante, é um instrumento particular entre os dois. Não tinha razão alguma para escamotear isso”, diz Guedes, que já defendeu o ex-presidente Michel Temer (MDB) no TSE, no caso da cassação da chapa Dilma-Temer, em 2017.
Guedes diz ainda que Selma Arruda não incorreu em “caixa 2”, pois não há necessidade de prestar contas antes do início oficial da disputa. “Qual outro candidato no país fez prestação de contas na pré-campanha? O TRE de Mato Grosso criou uma forma para cassar a senadora, por conta do histórico dela enquanto juíza. E a gente espera que Brasília possa melhorar essa análise”, diz Guedes.
Ele também questiona as provas usadas pela acusação: segundo ele, a única testemunha do suposto “caixa 2” é o publicitário que prestou serviços à senadora – a quem ela processa por extorsão.
Após a decisão, a assessoria da parlamentar divulgou uma nota à imprensa. Leia a íntegra a seguir:
“A senadora Juíza Selma recebeu a notícia sobre sua cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com equilíbrio, respeito e serenidade, mas com a convicção de que, mesmo diante de tudo, ela e todos que defendem o combate à corrupção saíram vitoriosos”.
“Apesar das vontades políticas terem prevalecido no seu julgamento, a parlamentar acredita que o resultado traz uma lição muito importante sobre a necessidade da luta diária para livrar o país de corruptos”.
“A senadora agradece a todos os parlamentares e seguidores das suas redes que prestaram apoio e solidariedade nesse momento, principalmente, àqueles que compreendem que nesse processo ela foi alvo de perseguições políticas, e, por ter sido eleita, sofreu as consequências pelas ações desempenhadas durante sua atuação na magistratura de Mato Grosso”.
Selma Rosane dos Santos Arruda, hoje com 56 anos, se tornou conhecida em 2015, quando mandou para a prisão o ex-governador de Mato Grosso Silval Barbosa (PMDB-MT) — junto com outros políticos e empresários locais. Silval é acusado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso de comandar uma quadrilha que recebia propina de empresas em troca da concessão de benefícios fiscais.
À época, Selma Arruda era titular da 7ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), um ofício especializado em combate ao crime organizado. O trabalho como juíza rendeu a Selma o apelido de “Moro de Saias” ou “Moro de MT”, e uma legião de seguidores nas redes sociais. Mas também resultou em ameaças à sua vida e de familiares, que a obrigavam a permanecer sob escolta de policiais militares durante as 24h do dia.
Em março passado, ela pediu aposentadoria do cargo de juíza do Estado, depois de 22 anos de magistratura. No mês seguinte, abril, filiou-se ao PSL, partido do então candidato à presidência Jair Bolsonaro. Mais tarde quando o presidente deixou o partido comandado pelo deputado Luciano Bivar (PSL-PE), ela também saiu e se filiou depois ao Podemos.
Em outubro, foi a candidata ao Senado mais votada em Mato Grosso, com 678,5 mil votos. Na época, Sergio Moro ainda continuava na magistratura – ele só deixaria a 13ª Vara de Curitiba em novembro de 2018, quando aceitou o convite de Jair Bolsonaro para aceitar o posto de ministro da Justiça.
O projeto de lei aprovado na CCJ do Senado, do qual Selma Arruda é relatora, prevê alterar o Código de Processo Penal (CPP), de forma que o cumprimento da pena comece já depois da condenação em segunda instância.
O objetivo é retomar a regra que existia antes do dia 7 de novembro, quando o STF determinou que o réu só pode começar a cumprir pena depois do chamado trânsito em julgado – quando estão esgotados todos os recursos aos quais o acusado tem direito.
O assunto ganhou força no Congresso depois da decisão do STF. Entre outros motivos, por que a decisão do Supremo resultou na soltura também do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois de 580 dias preso em Curitiba.
O projeto é inspirado numa proposta anterior sobre o tema, que fazia parte do chamado Pacote Anticrime. A tramitação do projeto de lei é mais rápida que a de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), com rito mais longo e necessidade de mais votos.
O pacote foi entregue por Sergio Moro ao Congresso no começo ano, mas a prisão em segunda instância acabou excluída do texto pelos deputados.
O projeto relatado por Selma não conta com a simpatia dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e nem da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): os dois preferem que o Congresso vote uma PEC, em tramitação na Câmara.
“Eu acredito que o projeto de lei é mais viável que a PEC, não só pela tramitação, que é mais segura, é mais célere (rápida). Mas também porque o teor da PEC da Câmara é muito complexo, e provavelmente vai ter muitos entraves. Atinge interesses grandes, e não será aprovada sem um amplo debate”, disse Selma Arruda à BBC News Brasil.
“Nós temos 43 assinaturas (de senadores) pela tramitação do PL (que altera o CPP). Nós temos então a maioria do Senado querendo a tramitação e aprovação desse projeto. Então é hora dos senadores que não concordam aprenderem a respeitar quem pensa diferente”, disse ela.