Tribunais inocentam seis em cada 10 policiais acusados de assassinato
Os tribunais do júri brasileiros absolvem PMs suspeitos de homicídios numa proporção bem superior aos casos envolvendo outros acusados de assassinatos. Dados inéditos obtidos pelo GLOBO mostram que seis entre dez PMs levados a julgamento popular acabam absolvidos.
Mesmo com maior taxa de absolvição, agentes de segurança condenados por crimes culposos — policiais e militares empregados em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)— foram beneficiados pelo indulto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na última segunda-feira. A regra só vale para os condenados por atos praticados “no exercício da função ou em decorrência dela”, e que tenham cumprido um sexto da pena.
Os primeiros dados estatísticos sobre os júris envolvendo PMs no banco dos réus só começaram a surgir em 2017, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu o chamado mês nacional do júri, realizado em novembro, como forma de diminuir a fila de processos. Já nos dois anos seguintes, o conselho orientou os tribunais nos estados a darem preferência a julgamentos de cinco categorias: réus presos, feminicídios, assassinatos de crianças e adolescentes, mortes em bares e boates, e crimes praticados por PMs no exercício ou não de suas funções.
Em 2018, 57,8% dos PMs julgados foram absolvidos pelo júri e 42,2%, condenados. Foi a maior proporção de absolvições entre os grupos categorizados pelo CNJ: 13% dos acusados de feminicídio foram absolvidos; entre acusados de assassinatos de crianças e adolescentes, 27%; crimes ocorridos em bares e casas noturnas, 31%; réus presos, 19,6%.
No mutirão realizado no mês passado, a proporção foi ainda maior. Foram absolvidos 65,6% dos PMs julgados. No Rio, 16 PMs foram absolvidos e apenas 3 foram condenados.
Promotores e juízes ouvidos pelo GLOBO dizem que a maioria dos casos não se refere a confronto em serviço. Os casos levados a júri são principalmente execuções posteriores de acusados, chacinas, extermínios, uso excessivo da força e vinganças.
Casos não investigados
A maioria dos casos envolvendo PMs, porém, nem é investigada, segundo as fontes ouvidas pela reportagem. Dos casos investigados, boa parte também não chega a julgamento. Os processos são arquivados pelas próprias corregedorias das PMs; pelas decisões dos MPs de não levarem as acusações adiante; ou por determinação dos juízes.
A reportagem pediu aos MPs nas 27 unidades da federação dados sobre arquivamentos de casos envolvendo PMs. Ninguém respondeu. O Conselho Nacional do Ministério público (CNMP) disse não ter as informações.
— Há dois fatores possíveis para esse índice alto de absolvição: boa parte da população legitima ações violentas de policiais, e há um temor de represália, de mostrar a cara, uma vez que os julgamentos são públicos e uma condenação pode trazer riscos aos jurados — afirma o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti, que coordena um grupo do CNJ responsável por aperfeiçoar o funcionamento dos tribunais do júri.
— No júri, na dúvida, o jurado deve absolver. Em casos de PMs, é mais difícil saber o que aconteceu — diz o juiz Fabrício Lunardi, integrante do grupo.
— Há uma resistência muito grande do júri em condenar PMs, não necessariamente por falta de provas. O policial pode não ter matado em serviço, mas estava ali “lidando com a bandidagem’” segundo esse imaginário — afirma o promotor do júri em São Paulo Ricardo Silvares.
O governo quer ampliar as hipóteses de legítima defesa na atividade policial, por meio da excludente de ilicitude. O tema foi retirado do pacote anticrime e encaminhado novamente ao Congresso por meio de projeto de lei próprio.