Acordos de delação premiada podem acabar

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Principal ferramenta de combate à corrupção amplamente adotada desde o surgimento da Operação Lava-Jato, em março de 2014, a delação premiada foi colocada em xeque pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e poderá ser esvaziada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), caso a Corte não assegure ao colaborador que a acusação cumprirá as sanções previamente pactuadas no contrato do acordo de colaboração.

O Supremo julgará, em 17 de junho, a validade da delação do empresário Joesley Batista, sócio do grupo J&F, holding que controla o frigorífico JBS. Joesley foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de omitir informações em seu acordo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) quer rescindir também os acordos do irmão dele, Wesley Batista, do diretor jurídico Francisco de Assis e do executivo Ricardo Saud. Mesmo que haja cancelamento dos benefícios concedidos aos delatores, as informações por eles reveladas deverão continuar juridicamente válidas. Já os colaboradores correm o risco de voltar à prisão.

A PGR requereu a rescisão dos acordos há dois anos e meio, ainda durante a gestão do procurador-geral Rodrigo Janot. O entendimento foi que os delatores da J&F omitiram fatos sob orientação do então procurador da República Marcelo Miller, que assessorava Janot na PGR. Miller negociou sua transição do MPF para o escritório Trench, Rossi e Watanabe enquanto ocupava o cargo de procurador da República. A banca de advogados mantinha sociedade com a firma americana Baker & McKenzie – que havia sido contratada pela J&F.

Em setembro do ano passado a acusação contra Miller foi considerada inepta (vazia) e trancada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). A Corte decidiu que a conduta do ex-procurador não configurou crime. No entanto, a PGR manteve no STF a requisição para cancelar os acordos dos empresários e executivos da J&F.

Na opinião de advogados de réus delatores ouvidos pela reportagem, se as delações da J&F forem canceladas, os critérios para rescisão de acordos de colaboração poderão se tornar excessivamente ampliados.

Com o aumento da insegurança jurídica, não haverá estímulo para que novos delatores revelem crimes. Sem parâmetros claros e com risco de rescisão, a opção do acusado será a conduta tradicional de enfrentar a acusação.

Quatro delatores ouvidos reservadamente pelo Valor afirmaram que se arrependeram de terem firmado acordo de delação premiada com o MPF na Lava-Jato. Na opinião de um deles, ex-executivo de uma grande empreiteira, as regras da delação na Lava-Jato foram “mudando ao longo do jogo”. Ele afirma que, se fosse acusado hoje, optaria pelo caminho comum de defesa, sem se autoincriminar. Essa fonte também acredita que não passaria muito mais tempo na cadeia se tivesse sido condenado pelos crimes que lhe foram imputados. E compara a rotina do delator a de “alguém que fez um pacto com o diabo”. A todo momento em que é instado a esclarecer fatos, o delator é obrigado a se deslocar até o MPF para depor.

No início da Lava-Jato de Curitiba, MPF e Polícia Federal (PF) atuavam conjuntamente nas negociaçõs de delações e conseguiram chegar às entranhas de crimes na Petrobras, em outras estatais, como a Eletrobras, e ainda em ministérios e outros órgãos públicos.

Mesmo com o fim da sintonia entre procuradores e policiais, as delações premiadas continuaram a ser fechadas – sem a participação dos delegados. Com a autorização dada à PF para firmar seus próprios acordos, concedida pelo plenário do STF em junho de 2018, os protocolos para costura de delação passaram a variar conforme a vontade do órgão em que o acordo era negociado.

No próprio MPF não há parâmetros para orientar a formatação de acordos de delação. Cada procuradoria segue protocolo próprio.

Se a incerteza sobre como o STF modulará as delações é motivo de preocupação, advogados de réus delatores comemoraram os dispositivos do pacote anticrime.

Essa lei estabelece que só serão rescindidas as delações em que houver omissão intencional (dolosa) de informações.

Além disso, a nova legislação permite que o juiz, ao homologar o acordo, avalie o mérito do material. Hoje, o magistrado apenas verifica se a delação é válida sob os aspectos da legalidade e da voluntariedade do delator.

Valor Econômico