Advogados criticam denúncia contra Glenn

Todos os posts, Últimas notícias

A denúncia do Ministério Público Federal contra o jornalista Glenn Greenwald não se sustenta e configura um ataque ao sigilo de fonte, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO. No documento, o procurador Wellington Divino Marques de Olveira diz que Glenn Greenwald recebeu as mensagens de autoridades enquanto o delito ainda ocorria e, sabendo que a conduta criminosa ainda persistia, teria mantido contato com os criminosos.

Para Walter Vieira Ceneviva, ex-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), o diálogo não deixa claro que Glenn sabia que a conduta criminosa ainda estava em curso.

— Não ficou claro. O sigilo de fonte não existe a favor do jornalista, mas da sociedade. O trabalho do jornalista é protegido contra o Ministério Público e contra o juiz. O sigilo de fonte é um escudo da sociedade civil. Por exemplo, se o jornalista tiver que investigar o tráfico de cocaína, talvez tenha que conversar bastante com o traficante, tenha que criar confiança dele. Essa atividade é prevista pela Constituição e o jornalista precisa desse sigilo para fazer seu trabalho — explica.

No diálogo presente na denúncia, o jornalista se recusa a aconselhar o hacker Luiz Henrique Molição.

Glenn: Sim, sim. É difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu eu eu eu tenho a obrigação para proteger meu fonte e essa obrigação é uma obrigação pra mim que é muito séria, muito grave, e nós vamos fazer tudo para fazer isso, entendeu?

Para o advogado Vitor Souza Lima Blotta, professor da Universidade de São Paulo e coordenador do grupo Jornalismo, Direito e Liberdade, a denúncia só se justififcaria se o Ministério Público encontrasse provas de que o jornalista teria praticado ele mesmo as invasões.

— Nem o FBI ousou denunciar o Glenn pelas denúncias do Snowden, mas no Brasil o sigilo de fonte não é levado a sério pelas autoridades — afirmou o professor.

Leia: Em diálogos, Glenn Greenwald se negou a dar conselhos a hacker e sugeriu que mensagens fossem apagadas

Blotta afirmou ainda que o diálogo indica que houve uma invasão, mas que ela foi anterior à ligação e que não diz respeito aos diálogos divulgados pelas reportagens do site “The Intercept”.

— A acusação a Glenn é ilegal é inválida, pois fere o sigilo de fonte e descumpre a liminar do ministro Gilmar Mendes. Ao se depararem com as mensagens, caso entendendo haver ilegalidade, os procuradores deveriam ter pedido a revogação da liminar que proíbe a investigação dos atos de Glenn no caso. E, se concedida, entrar com outra ação. Houve erro de procedimento, e ao que parece, uma tentativa de “culpar o padre por ouvir a confissão”, guardadas as diferenças — explica.

No diálogo, Glenn reafirma a um dos hackers que irá proteger sua identidade, o que faz parte do sigilo da fonte. O jornalista destaca que já salvou todas as mensagens que receberam e que, de sua parte, não via nenhuma razão para que os hackers mantivessem os registros.

Glenn: Isso é nossa obrigação (proteção da fonte). Então, nós não podemos fazer nada que pode criar um risco que eles podem descobrir “o identidade” de nossa fonte. Então, para gente, nós vamos… como eu disse não podemos apagar todas as conversas porque precisamos manter, mas vamos ter uma cópia num lugar muito seguro… se precisarmos. Pra vocês, nós já salvamos todos, nós já recebemos todos. Eu acho que não tem nenhum propósito, nenhum motivo para vocês manter nada, entendeu?”

Molição: Sim.

Glenn: Nenhum… Mas isso é sua, sua escolha, mas estou falando e, isso não vai prejudicar nada que estamos fazendo, se você apaga.

Molição: Sim. Não, era mais, era mais uma opinião que a gente queria mesmo, pra gente fazer mais pra… mais pra frente.

Glenn: Sim, sim. É difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu eu eu eu tenho a obrigação para proteger meu fonte e essa obrigação é uma obrigação pra mim que é muito séria, muito grave, e nós vamos fazer tudo para fazer isso, entendeu?

Segundo Walter Ceneviva, o sigilo da fonte é essencial para o trabalho do jornalista e sempre se justifica quando o profissional revela alguma informação para o público.

— O sigilo de fonte é necessário para exercício da atividade jornalística. Ele não está procurando a cor do Sol, mas coisas que não estão públicas. Enquanto o jornalista colher informações e entregar para a sociedade, ele tem um salvo conduto. Se ele não as entregasse para a sociedade, talvez pudesse haver algum abuso. Mas ele cumpriu sua responsabilidade — explica.

O Globo.