Alvim e a ridicularização do mal
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Sei que muitos dos que leem estas palavras podem ter tido reações que variam entre o espanto e a indignação com o discurso fascista de Roberto Alvim – passando pela tristeza e a dor de descendentes das milhões de pessoas assassinadas e perseguidas pelo regime nazista do ídolo do agora ex-secretário especial de Cultura, o alemão Goebbels. Discordo. Acredito que Alvim merece agradecimentos públicos. Ele escancarou os fundamentos fascistas deste movimento que aparelha o Estado, envenena as relações sociais e busca enrijecer os sentimentos e embotar a razão.
Alvim é caricato. Se não estivesse buscando fins imorais abomináveis, seria apenas um bufão. Se pensarmos bem, o papel que exerce no Palácio repleto de fanáticos dos grupos bala-bíblia-boi é a de bobo da corte. O que melhor para ganhar notoriedade, equilibrar uma melancia na cabeça ou atacar gratuitamente Fernanda Montenegro? Talvez ele não se destaque tanto, é verdade, devido à concorrência – o “imprecionante” Weintraub, o negacionista do clima Araújo, a devota criacionista Damares, o liberal das queimadas Salles, o beatlemaníaco Olavo, o ambientalista de vaso sanitário e leão acuado Jair.
Em outras palavras: este (des)governo de caricatura é tão profundamente tosco que surge a tendência de não se levar a sério a destruição moral que ele tenta fazer. Não digo que a precariedade risível da forma de atuar seja proposital: estas pessoas são, realmente, profundamente limitadas. Mas isso não significa que os maus sentimentos (no sentido do filósofo Hume) que as caracterizam não se tornem mais rapidamente realidade porque, em vez de reação indignada, provocam gargalhadas. Parafraseando Hanna Arendt, é a ridicularização do mal.
Alvim se leva a sério. Mas ele é limitado, não tem vocabulário suficientemente extenso para criar um discurso nazista próprio, nem tem criatividade suficiente para escolher música de fundo fascista-verde-amarela. Daí Goebbels e Wagner. Mas isso não quer dizer que o resto deste movimento, e seus representantes no governo, não tenham intenções autoritárias de inspiração fascista. Não é porque estas pessoas são ridículas e nos fazem rir que a Amazônia não arda em chamas, que as filas do INSS estejam lotadas, que nossas crianças passem em breve a ser doutrinadas com livros com um “monte de amontoado” de desenhos em vez de palavras.
Este movimento de extrema direita busca quebrar nossa sociedade por dentro. Tenta destruir a empatia que nos une e embotar uma racionalidade que nos leve à autocontenção ética. Empatia e racionalidade são os dois caminhos para a moralidade. Destruir as bases morais de uma sociedade – ou seja, individualmente buscarmos sentir a dor do próximo, chegarmos à conclusão de que as pessoas não são meios, mas, sim, fins em si mesmas – é a base dos regimes imorais. Não há critérios moralmente válidos para definir privilégios a pessoas que tenham determinadas características: quem compartilha de minha nacionalidade, religião, condição sexual, tez de pele ou, nas palavras de Alvim, civilização, NÃO merece qualquer precedência moral. Somos iguais em nossas diferenças.
Por isso, fica aqui meu agradecimento a Roberto Alvim.