Bolsonaro atacou Moro com a criação do Juiz de Garantias

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Foto: Alan Santos/Presidência da República

Ao sancionar a nova Lei Anticrime, o presidente Jair Bolsonaro aplicou 25 vetos, mas deixou passar a criação do juiz de garantias, uma emenda do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) que divide os processos penais entre dois magistrados: um para instrução, outro para julgamento.

Ainda é incerto se, ainda dependente de regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a nova lei beneficiará o senador Flávio Bolsonaro na investigação do caso Queiroz. É certo, contudo, que se choca contra a posição do ministro Sérgio Moro e foi, por isso, vista como afronta dos congressistas à turma da Operação Lava Jato.

O conflito latente entre Moro e Bolsonaro se desenha como embate político mais importante para 2020 e para os anos seguintes. A reeleição de Bolsonaro em 2022 é, como escrevi ontem, o cenário mais provável, mantida a atual correlação de forças políticas. Com Moro na disputa, a situação pode mudar.

Mais popular político da Esplanada, ele é o nome no campo governista com maior cacife para desafiar Bolsonaro na corrida eleitoral. O sentido da sanção ao juiz de garantias vai, portanto, além da tentativa de facilitar a vida de Flávio na Justiça. Esboça os sinais de uma rachadura que, se aberta, poderá redesenhar o panorama eleitoral.

A figura do juiz de instrução existe em países como França ou Itália, onde ele autoriza operações de busca e apreensão, escutas telefônicas e intima as testemunhas necessárias para a coleta de provas durante investigações. Não julga se réus são culpados ou inocentes.

O risco de misturar as duas funções do juiz ficou evidente quando vieram à tona as mensagens que demonstraram a relação próxima entre Moro e os procuradores da Lava Jato. Comunicações que poderiam ser aceitáveis caso seu papel se limitasse à instrução do processo puseram em xeque sua imparcialidade como julgador.

Quem argumenta contra o juiz de garantias aponta dificuldades práticas (a nova lei nem toca no assunto) e a falta de cabimento de ampliar ainda mais os quadros de um Judiciário já caríssimo.

Tais dificuldades foram apontadas pelo próprio Moro de modo velado em suas manifestações sobre a Lei Anticrime, cujas feições finais ficaram bem distantes do texto inicialmente enviado ao Congresso. Mesmo assim, seria um exagero considerar a nova lei uma derrota dele.

Moro já pode reivindicar a paternidade política da principal mudança na legislação penal brasileira desde a Constituição de 1988, com penas mais duras e mudanças há muito exigidas por uma sociedade farta da leniência com corruptos e criminosos.

No discurso, Moro tem evitado falar em candidatura e se mantém fiel ao chefe. Bolsonaro, em contrapartida, não se furtou a desdenhar o assunto numa transmissão de vídeo recente. Enquanto Bolsonaro cutuca Moro, Moro espera o tempo passar.

Ainda não é o momento de uma ruptura explícita. Esperar o resultado das eleições municipais, que testarão a extensão real do bolsonarismo, parece mais sábio. Se Bolsonaro sair das urnas como força imbatível – algo improvável diante de seus índices de popularidade –, Moro preserva espaço para o recuo.

Se, em contrapartida, sair menor que em 2018, Moro não terá dificuldade em se apresentar como alternativa natural para o eleitorado antipetista. Sua popularidade permanece intacta, mesmo depois da exposição a que foi submetido pelas mensagens da Lava Jato.

A principal dúvida é se terá tempo para montar sua rede de articulação regional e de se distanciar de Bolsonaro o bastante para desafiá-lo com credibilidade. Seria mais seguro, embora menos confortável, se sua candidatura já começasse a ser articulada nos bastidores.

Tudo dependerá, evidentemente, da vontade do próprio Moro. Se quiser mesmo ser candidato, 2020 é o ano em que precisará agir como aquele personagem da anedota e trocar de meias sem tirar os sapatos.

G1