Bolsonaro indicará 22 diretorias de agências reguladoras este ano
O presidente Jair Bolsonaro poderá indicar 22 nomes para assumir diretorias das agências reguladoras até o fim de 2020, como antecipou o colunista do GLOBO Ancelmo Gois. O ano começa com seis vagas abertas, e outras 16 cadeiras ficarão disponíveis ao longo dos próximos meses. Entre os postos estarão o de presidente de quatro órgãos reguladores.
Nesta semana, o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Décio Oddone, se antecipou e decidiu deixar o cargo antes do previsto. Também estarão disponíveis as vagas de presidentes das agências de Transportes Terrestres (ANTT), Aviação Civil (Anac) e Transportes Aquaviários (Antaq).
As agências são responsáveis por controlar a qualidade dos serviços prestados à população nos seus segmentos de atuação, como energia elétrica, telecomunicações, petróleo, rodovias, ferrovias e aeroportos. Elas definem regras para exploração da atividade por parte da iniciativa privada em setores que representam quase 60% do Produto Interno Bruto (PIB), participam da elaboração de editais de licitação, firmam e fiscalizam contratos.
Bolsonaro disse nesta semana que irá obedecer a critérios técnicos nas nomeações as quais terá direito. Afirmou, porém, que as agências são importantes, autônomas, “mas não são soberanas”. O presidente esteve envolvido numa polêmica, nos últimos dias, quando pressionou a Agência Nacional de Energia elétrica (Aneel) contra uma proposta para reduzir subsídios a quem gera sua própria energia — o que ocorre principalmente por meio de painéis solares.
Indicação de técnicos
Os diretores são nomeados pelo presidente da República, passam por sabatina e precisam ter a indicação aprovada pelo Senado. Os mandatos de diretor são fixos. A nova lei das agências reguladoras, aprovada no ano passado, estabeleceu a duração de cinco anos para os mandatos e vetou a recondução para os cargos, prática comum até então.
Pesquisador das relações entre setor público e privado, Sérgio Lazzarini, professor do Insper, de São Paulo, diz que o presidente precisa seguir critérios técnicos, como manda a lei das agências, e indicar pessoas com extrema reputação e conhecimento para as vagas às quais terão direito.
— O ambiente regulatório independente é feito justamente para contestar o governante do poder, que segue preceitos políticos. As pessoas das agências são o anteparo, definem critérios que interessam vários governos — afirmou.
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Para Lazzarini, uma agência reguladora pode ser um um grande problema para o Executivo e o Legislativo:
– Os governos têm interesse em botar uma pessoa fraca ou informalmente aliada. A tendência é colocar alguém para baixar a cabeça. Do lado do Legislativo, o interesse é em colocar afiliado político, mas na linha do cabide de emprego. Aí fica essa briga ad aeternum. É uma situação muito difícil.
Bolsonaro vetou, na nova lei das agências, o artigo que previa a escolha de dirigentes dos órgãos por meio de um procedimento de seleção pública e formação de lista tríplice. Ele chegou a dizer que o Congresso queria torná-lo uma “rainha da Inglaterra” ao retirar sua atribuição.
Dentro do governo, o Ministério da Economia está trabalhando para que os indicados sejam técnicos. Integrantes da pasta entendem que a composição das agências é fundamental na percepção de investidores sobre a segurança jurídica do país. Mas o nome chega ao presidente por meio do ministério ao qual está ligado o órgão.
No ano passado, a Anac passou por um vaivém com duas indicações, diante de uma queda de braço entre o governo e o grupo ligado ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que queria emplacar nomes do órgão. Bolsonaro indicou os servidores Ricardo Catanant e Thiago Costa Caldeira para duas vagas em outubro, depois retirou as nomeações. Em novembro, indicou novamente.
O Senado, até agora, porém, sequer leu os nomes do governo. Além dessas duas indicações, já feitas, outras duas vagas serão abertas na Anac em março. Com isso, Bolsonaro irá alterar totalmente a composição do órgão. Todas serão encaminhadas pelo Ministério da Infraestrutura.
Redutos de partidos
Na ANP, a saída antecipada de Oddone vai obrigar o governo a escolher primeiro o novo diretor-geral do órgão, o que só estava previsto para ocorrer no fim do ano. Com direito a mais duas indicações neste ano, o governo Bolsonaro irá mudar a gestão da ANP, num momento de transformações no setor de óleo e gás. O órgão já chegou a ter forte influência do PCdoB, mas agora é visto como composto por nomes técnicos.
Duas agências alvos de críticas internas do governo e de empresas dos setores, a Antaq e a ANTT também trocarão de comando em 2020. O Ministério da Infraestrutura chegou a confirmar que estudava fundir os dois órgãos numa agência de transportes. Depois, recuou. Tradicionalmente, essas agências eram compostas por nomes indicados pelo PL, antigo PR.
Na Anatel, o presidente já fez a indicação para a vaga aberta, mas ela ainda não foi analisada pelo Senado. Outra cadeira está disponível no fim do ano. O órgão vai ser fundamental no processo do leilão e da implementação do 5G — a quinta geração de telefonia celular — no Brasil.
Ex-diretor da Aneel, Paulo Pedrosa afirma que os investidores precisam de garantias de que nenhum presidente fará intervenções em agências reguladoras, ao lidar com contratos de longo prazo.
— Uma agência reguladora depende muito da visão de independência e estabilidade para adotar boas políticas públicas. O funcionamento dela depende de boa governança e de boas pessoas. A boa governança está na transparência do processo decisório, em reuniões públicas, na contestação pelos agentes — disse Pedrosa.
Ele ressalta que uma agência existe para dar equilíbrio entre poder público, consumidores e empresas:
— E o equilíbrio muitas vezes é desagradar. É por isso que o diretor precisa ter autonomia e independência.
Risco de paralisar decisões em ao menos 5 órgãos
O governo vai ter que se apressar nas nomeações se não quiser ver órgãos importantes completamente paralisados. São agências que podem ficar sem quórum mínimo para reuniões da diretoria, o que acarreta o risco de paralisar decisões relevantes.
A situação pode acontecer na Anac, ANP, ANS (Saúde Suplementar), Anvisa (Vigilância Sanitária) e Antaq. Hoje, apesar das vagas abertas, apenas a Ancine não tem quórum mínimo para reuniões. As nomeações ainda precisam passar pelo Senado.
Alvo de constantes críticas do governo Jair Bolsonaro, a diretoria da agência reguladora está desfalcada desde fevereiro de 2019, quando a ex-diretora Mariana Ribas deixou o cargo para assumir a Secretaria de Cultura do Rio.
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Na Anac, por exemplo, que espera a apreciação de dois nomes pelo Senado, outras duas cadeiras — incluindo a de diretor-presidente — estarão disponíveis em março. Se, até lá, essa situação não for resolvida, o órgão pode ter suas decisões prejudicadas.
Outra indicação pendente no Senado é a de Carlos Baigorri para a Anatel. Na Antaq, que tem três diretores, já há uma vaga e o diretor-geral, Mário Povia, deixa o cargo em fevereiro.
Fernando Franco, presidente da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar), cobra do governo maior diálogo com os órgãos e respeito às decisões.
— O objetivo primordial das agências é a proteção dos interesses dos usuários e dos prestadores de serviços, em sintonia com a política pública. Toda decisão regulatória deve ser reforçada no equilíbrio dos interesses das partes envolvidas. Ou seja, precisamos de maior compreensão, principalmente por parte daqueles que criticam essas decisões sem uma visão da complexidade do processo regulatório — disse ele.