Bolsonaro usa Caixa para reduzir juros
A estratégia da Caixa Econômica Federal de reduzir os juros cobrados nos financiamentos imobiliários e no cheque especial deve aumentar a concorrência nessas modalidades de crédito, já que no atual cenário de taxa básica no patamar mais baixo da história, os grandes bancos privados serão pressionados a reduzir o que cobram de seus clientes sob o risco de perder mercado.
Para analistas ouvidos pelo GLOBO, diferentemente do que aconteceu em 2012, quando a ex-presidente Dilma Rousseff determinou por “decreto” a redução dos juros nos bancos públicos, para forçar uma queda nas taxas praticadas pelos concorrentes privados, desta vez o cenário econômico permite que esse movimento seja feito: a Selic está em 4,5% ao ano e deve permanecer baixa por um longo período.
– É uma estratégia agressiva, tornando a Caixa mais competitiva nesses segmentos de crédito. É claro que ao baixar juros, o controlador, que é o governo, usa a instituição para aumentar a concorrência. Nesse momento atual de juro mais baixo, os spreads tendem a cair. E o momento é muito diferente de 2012, quando tínhamos Selic a 14,5% – explica João Augusto Salles, economista especializado no setor financeiro, que acredita que o cenário de Selic baixa deve permanecer nos próximos dois anos.
Ele observa que mesmo com esse movimento mais agressivo da Caixa, o banco público deve continuar tendo lucro, já que a tendência é conquistar mais clientes no crédito imobiliário, onde a instituição já abocanha 70% do mercado.
Para financiamento de imóveis o banco estatal reduziu sua taxa de 6,75% para 6,5% ao ano mais TR. Já lançou uma linha de crédito com reajuste pelo IPCA, a inflação oficial, e em breve deve lançar outra linha. No cheque especial, a taxa no banco caiu de 4,99% ao mês para 4,95% ao mês, para quem recebe salário pela instituição. O Banco Central fixou o teto da modalidade em 8% no mês passado.
– Os outros bancos já vêm se movimentando e oferecendo condições melhores no mercado imobiliário — diz Salles. Atualmente, já é possível encontrar taxas de pouco mais de 7% ao ano nos bancos privados para clientes que tem bom relacionamento com a instituição.
Terreno conhecido
Para Luiz Miguel Santacreu, especialista em bancos da agência de classificação de risco Austing Ratings, o movimento de queda de juros feito pela Caixa não vai comprometer a rentabilidade do banco. Ele diz que a Caixa está usando essa estratégia em mercados onde tem peso, como o de crédito imobiliário.
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– Como se trata de um banco que não tem ações na Bolsa, ela tem um grau de liberdade maior para mexer no juro. E está fazendo em segmentos que conhece bem. Não vai fazer nada temerário. Lá atrás, a Caixa havia enveredado por setores que não eram sua especialidade de atuação, como financiamento de veículos, grandes empréstimos com spread baixo, financiamento de eletrodomésticos para quem comprasse casas populares. Aí, em 2014 veio a crise e a inadimplência explodiu.
E acrescentou:
– Hoje, esses movimentos mais agressivos de baixa de juros feitos pelo banco não comprometem a margem de operação – analisa Santacreu, lembrando que a tendência é que o banco capture mais clientes.
Santacreu observa que economia está voltando a crescer, o que também ajuda a estratégia do banco, já que mais gente deve tomar crédito. Por isso, diz ele, o banco pode trabalhar com spreads (diferença entre o juro que o banco paga para ter dinheiro e o que cobra para emprestar esse recurso) mais baixos, e se inadimplência se mantiver controlada, a Caixa ganha escala.
O economista afirma que a tendência é que os grandes bancos também reduzam juros em setores onde há “gordura para queimar”. Santacreu lembra que as grandes empresas deram às costas às grandes instituições e foram buscar recursos no mercado de capitais, então os bancos terão que se mexer para atrair esses clientes de volta.
Contexto diferente
Com inflação girando ao redor de 4% ao ano e crescimento de cerca de 1% da economia nos últimos três anos, os juros puderam cair até o menor patamar histórico – o que tende a se refletir nas taxas cobradas dos clientes de bancos, já que os chamados spreads vão se reduzir, diz o professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Fábio Gallo.
Ele lembra que o crédito imobiliário é um produto excelente para os bancos, que ganham em qualquer situação, até mesmo com inadimplência elevada. Por isso, é um setor em que a concorrência vai se acirrar.
– Todos os bancos terão que se acomodar nesse cenário de juros baixos. Vão ter que reduzir as taxas dos clientes, além de custos e tarifas porque a concorrência vai aumentar – afirma Gallo.
Em 2012, o governo começou a injetar dinheiro na Caixa para que o banco pudesse emprestar e também forçou o Banco do Brasil a derrubar juros. Além disso, injetou dinheiro no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar os empresários. Mas o professor da FGV lembra que essa” forçada” na queda de juros veio sem a economia estar preparada.
– Não havia controle fiscal adequado, a liberação do crédito levou a uma situação de inadimplência elevada, porque a população não tinha educação financeira, a inflação subiu para mais de 6% e o Banco Central começou um ciclo de elevação de juros. Não era um cenário para juros baixos – lembra o professor da FGV, observando que hoje o contexto econômico é completamente diferente.
Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que não comenta estratégias comerciais de seus membros. Mas avalia que a oferta de taxas mais atrativas pode ser resultado, por exemplo, da estratégia comercial mais agressiva de uma instituição para ganhar participação no mercado de um determinado produto.
Além disso, diz a nota, no segmento que atende pessoas físicas, uma série de fatores pode impactar os preços e taxas praticados, tais como o tempo de relacionamento com o cliente e o pacote de serviços oferecidos.”