Criminalistas defendem lei contra abuso de autoridade

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Foto: Reprodução

Na contramão dos sucessivos alertas de procuradores, delegados e juízes, que se revelam inquietos e atribuem à Lei de Abuso de Autoridade um processo de esvaziamento do combate à corrupção e operações como a Lava Jato, advogados penalistas afirmam que a norma, que começou a valer nesta sexta, 3, depois de dez anos de debates no Congresso, não deve atrapalhar esse tipo de enfrentamento.

O texto da lei que desconforta os investigadores foi aprovado em agosto passado, define condutas que devem ser consideradas abuso de autoridade e prevê punições. “Essa lei efetivamente pune, não o agente do Judiciário, do Ministério Público ou policial que atue de forma legítima de suas profissões. A lei, na verdade, discrimina condutas que são inaceitáveis”, afirma Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP).

Gontijo considera que a mudança na legislação não trará prejuízos a investigações e ao trabalho de juízes, policiais e procuradores ‘que atuam dentro da lei’.

A Lei do Abuso prevê, por exemplo, que é crime grampo telefônico sem autorização judicial. Também é crime a violação do segredo de Justiça.

“A lei anterior, vigente até ontem (quinta, 2), era branda demais e muito vaga, pois foi elaborada no período da ditadura militar e não havia interesse em punir autoridades que extrapolassem sua função”, diz João Paulo Martinelli, criminalista e professor de Direito penal.

Para ele, ‘a nova lei não pune qualquer conduta, cabe à acusação provar que a autoridade agiu com dolo de abusar de sua autoridade’.

“Não é qualquer erro que será considerado abuso.”

No entendimento de Martinelli, ‘a nova lei de abuso de autoridade, como o próprio nome diz, não tem por finalidade atrapalhar o combate à criminalidade, mas somente exigir que cada autoridade pública cumpra seu papel dentro da legalidade’.

Entre as condutas que podem ser enquadradas como abuso de autoridade estão: decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem que antes a pessoa tenha sido intimada a comparecer em juízo; invadir ou adentrar imóvel sem autorização de seu ocupante, sem que haja determinação judicial e fora das condições já previstas em lei (não há crime quando o objetivo é prestar socorro, por exemplo); manter presos de ambos os sexos numa mesma cela ou deixar adolescente detido na mesma cela que adultos; continuar interrogando suspeito que tenha decidido permanecer calado ou que tenha solicitado a assistência de um advogado; mandar prender em manifesta desconformidade com a lei ou deixar de soltar ou substituir prisão preventiva por medida cautelar quando a lei permitir.

“O que importa são as atitudes para que as autoridades também saibam que independentemente da posição que cada um ocupa, a lei existe para todos e impõe limites”, declara o criminalista e mestre em Direito Penal e Processual Penal Daniel Bialski.

Ele considera que ‘o presidente da República entendeu que os artigos vetados eram excessivos neste momento’.

“Se no futuro a lei necessitar de melhorias ou de retificações, uma nova proposta poderá complementá-la. Espero que seja possível estabelecer a ordem no Brasil e que volte a ser um verdadeiro Estado Democrático de Direito”, ressalta Bialski.

O criminalista e constitucionalista Adib Abdouni disse que a nova lei de abuso de autoridade chega em boa hora. “Ninguém pode concordar com o abuso e o excesso de poder. Esta nova lei se compatibiliza com as normas constitucionais vigentes e o postulado republicano segundo o qual ninguém está imune à investigação criminal a ser deflagrada com o fito de apurar os fatos a partir de indícios robustos e concretos do cometimento dos atos penalmente reprováveis qualificados como abuso de poder.”

“Ela comprova que as instituições democráticas brasileiras estão funcionando bem e com regularidade extraordinária”, avalia.

Segundo a advogada e desembargadora aposentada do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3) Cecília Mello a efetividade da lei de abuso de autoridade acabará sendo delimitada com o tempo, pela jurisprudência.

O fato de o dolo direto ser elemento de todos os tipos penais previstos, conduz ao pressuposto de a conduta necessariamente ter sido praticada com uma determinada finalidade, destaca.

“No caso específico de condutas criminosas como ‘prejudicar alguém, beneficiar a si mesmo ou a outra pessoa ou que seja motivado por satisfação pessoal ou capricho’ são relações que nem sempre são simples de serem comprovadas”, argumenta Cecília. “Haverá, sem dúvida, práticas aonde esse dolo será indiscutível, mas isso não será observado na maioria dos casos. A hipótese de se alegar erro de julgamento será uma possibilidade bastante grande.”

Estadão