Defesa pede rejeição da denúncia contra Glenn

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Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS

A defesa do jornalista Glenn Greenwald pediu ao juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, a rejeição da denúncia apresentada contra ele, sob o argumento de que não houve conduta criminosa por parte do jornalista e que a acusação violou a ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) de que ele não poderia ser investigado.

Na peça, os advogados apontam que a denúncia do Ministério Público Federal “briga com os fatos”. “É impossível não se chocar com o grau de desconexão entre os diálogos transcritos e as conclusões que deles extrai a denúncia. Afinal, não há sequer uma única frase dita pelo requerente que sugira qualquer relação de orientação, auxílio ou participação deste em suposta empreitada criminosa”, afirma a defesa.

“Ao contrário do que faz parecer a denúncia, a cumplicidade do jornalista não decorre do contato com o agente que pratica o crime, nem muito menos do simples conhecimento da prática delituosa. Para fins penais, o que importa é definir se o jornalista concorreu de qualquer forma para a prática do crime, nos termos do artigo 29 do Código Penal. Ou seja, o que é relevante é definir se o jornalista contribuiu como autor (direto ou mediato) ou partícipe (instigação ou auxílio material) do suposto delito praticado por sua fonte. No caso em tela, nada indica que o requerente tenha praticado qualquer ação que possa qualificá-lo como cúmplice ou partícipe de eventuais delitos praticados por suas fontes”, escreveram os advogados Nilo Batista, Rafael Borges e Rafael Fagundes.

Na defesa, sustentam ainda que houve descumprimento da decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que decidiu que seria impossível investigar Glenn pela divulgação das conversas. Por fim, os advogados apontam que a utilização como prova de uma conversa entre o jornalista e o hacker seria ilícita porque viola o princípio constitucional do sigilo da fonte.

“A conversa travada entre o jornalista e sua fonte é protegida pelo sigilo constitucional previsto no art. 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, razão pela qual não poderia ter sido utilizada pelo Ministério Público Federal para imputar crimes ao requerente, por ter natureza confidencial”, aponta a defesa.

Qual é a acusação do MPF contra Glenn?

O jornalista americano está sendo denunciado pelos crime de associação criminosa e de ter sido “partícipe” nos crimes de invasão de dispositivos informáticos e monitoramento ilegal de comunicações de dados de autoridades públicas. Desde junho do ano passado, o “The Intercept Brasil”, que pertence ao jornalista, publica supostas conversas vazadas que envolvem procuradores do MPF (membros da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba) e o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.

O que diz a defesa de Glenn?

Pelas redes sociais, Glenn se posicionou afirmando que a denúncia é uma tentativa de atacar a imprensa e “um ataque direto” ao STF, devido a decisão de Gilmar Mendes de não haver investigações sobre o jornalista no vazamento das mensagens. O americano publicou ainda um vídeo em seu perfil no Twitter dizendo que Wellington Oliveira “abusa de seu poder como promotor”. Em nota, os advogados Rafael Borges e Rafael Fagundes, que defendem Glenn, dizem que a denúncia foi recebida com “perplexidade” e que o objetivo é “depreciar o trabalho jornalístico” realizado pelo profissional. O “The Intercept Brasil” também se manifestou e disse que os diálogos que embasaram a acusação são os mesmo utilizados pela PF que, em seu relatórios, concluiu que não foi possível identificar a participação de Glenn na invasão dos celulares de autoridades.

No que o MPF se baseou para afirmar que Glenn pode ter cometido os crimes?

Na denúncia, o Ministério Público afirma que indetificou um áudio que indica a participação direta do jornalista na conduta criminosa. No diálogo citado, Glenn conversa com um dos hackers, Luiz Henrique Molição, que pergunta a ele se deveria invadir o aplicativo Telegram de outras autoridades. O próprio trecho, porém, mostra que o jornalista não respodeu ao acusado e sugeriu que ele apagasse as mensagens obtidas por meio da invasão para que a identidade de sua fonte não fosse descoberta:

“Sim, sim. É difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu eu eu eu tenho a obrigação para proteger meu fonte e essa obrigação é uma obrigação pra mim que é muito séria, muito grave, e nós vamos fazer tudo para fazer isso, entendeu? (…)”.

Quem é o procurador Wellington Divino Marques, autor da denúncia contra Glenn?

Marques é titular do 7º Ofício de Combate à Corrupção da Procuradoria da República no Distrito Federal. Avesso a holofotes e ao contato com a imprensa, acompanhou com discrição as investigações conduzidas pela PF. Ele é o mesmo procurador que acusou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, de calúnia por declarações contra Sergio Moro.

Glenn foi alvo de investigação?

Apesar da Polícia Federal (PF) ter feito duas operações sobre o vazamento das mensagens (a Spoofing I e a Spoofing II, em julho e setembro do ano passado respectivamente), Glenn não foi investigado. Isso ocorreu porque, em agosto do ano passado, Gilmar Mendes deferiu uma liminar no STF para evitar que o jornalista fosse alvo de qualquer ação de autoridades públicas “que visem à responsabilização do jornalista pela recepção, obtenção ou transmissão de informações publicadas em veículos de mídia”. Na denúncia do MPF desta terça-feira, o MPF afirma que Glenn não foi investigado e, por isso, a liminar não foi desrespeitada. O órgão, porém, alega que os diálogos do americano com os outros acusados foram suficientes para embasar a denúncia.

Qual a fundamentação da decisão de Gilmar?

Na liminar de agosto do ano passada, Gilmar Mendes decidiu para que Glenn não fosse investigado devido ao sigilo constitucional da fonte jornalística. No documento, o ministro alegou que uma investigação sobre o jornalista no caso seria contra a “proteção constitucional do preceito fundamental de liberdade de expressão e de imprensa”. A medida cautelar foi proferida a partir de um pedido do partido Rede Sustentabilidade.

Qual foi a reação do STF após a denúncia?

Mesmo não tendo se manifestado publicamente, o Gilmar considerou a acusação contra Glenn uma afronta à sua decisão, conforme foi apurado pelo GLOBO. O magistrado não foi o único da Corte que se posicionou contrário à decisão do MPF. O ministro Marco Aurélio considerou a denúncia ruim para a sociedade, porque poderia implicar “inibição no direito de informar”. Não houve, porém, um consenso no Tribunal sobre o caso. Outro ministro ouvido em caráter reservado ponderou que não se pode dar imunidade criminal a quem quer que seja: “Pelo que parece, a prova foi obtida de forma criminosa”, disse o magistrado.

O que a PF descobriu após as primeiras diligências da Operação Spoofing?

Em um primeiro momento, os investigadores recolheram evidências que mais de 80 autoridades tiveram o Telegram invadido pelo hacker Walter Delgatti Neto (conhecido como “Vermelho”). Na lista de afetados estavam o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos, o ex-procurador geral da República Rodrigo Janot e a então procuradora-geral Raquel Dodge.

Quais foram as conclusões após a segunda fase da operação e na conclusão do inquérito?

Em dezembro do ano passado, a PF finalizou as investigações e indiciou seis integrantes do grupo formado pelo hacker Walter Delgatti Neto. Além dele, foram apontados como envolvidos na ação criminosa Gustavo Sousa, Danilo Marques, Suelen Priscila de Oliveira, Thiago Eliezer Martins e Luiz Henrique Molição. Glenn não fazia parte da lista de indiciados.

Por que a PF decidiu não indiciar Glenn?

No relatório final da investigação, a corporação afirmou que Glenn adotou “postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões”.

Qual foi a repercussão da denúncia do MPF contra Glenn?

A ação do MPF gerou reações de Rodrigo Maia (o presidente da Câmara disse que “jornalismo não é crime”), do relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Expressão, David Kaye, da OAB e de entidades ligadas à liberdade de imprensa e aos direitos humanos. Houve manifestações da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Anistia Internacional.

O Globo