Em Teerã, povo se divide entre ódio aos EUA e medo da guerra
Foto: Wana News Agency/Reuters
A tranquilidade da sexta-feira, dia de orações e de descanso para os iranianos, foi trocada hoje por um sentimento de perda pela morte do popular general Qassem Solemaini, comandante das Forças Quds, da Guarda Revolucionária Iraniana. Uma parcela da população manifestava sua ira contra Donald Trump e os americanos, pelas redes sociais ou nos protestos nas principais cidades. Outros, no entanto, se mostravam mais contidos, introspectivos. Esses temem que uma resposta forte do Irã pode jogar o país em uma violenta guerra contra os Estados Unidos.
Os iranianos buscaram desde a manhã informações sobre a morte de Soleimani, mas pouco encontraram na mídia local. As emissoras de televisão apenas veiculavam homenagens ao comandante. Um canal, por exemplo, mostrou um documentário que mostrava a carreira do militar, com depoimentos do próprio sobre sua participação na Guerra Irã-Iraque, entre outros episódios. Em outro, durante horas, imagens de Soleimani se alternavam, enquanto ao fundo tocava uma melodia triste. Apenas através de sites noticiosos estrangeiros — bloqueados no Irã e apenas acessíveis com o uso de VPN — obtinham informações, embora baseadas em fontes de inteligência dos Estados Unidos.
O clima mudou na parte da tarde, no entanto, quando autoridades políticas, religiosas e militares começaram a se manifestar publicamente, confirmando do lado iraniano a morte do comandante das Forças Quds. E então começaram as manifestações de solidariedade e homenagens ao comandante morto, partindo de celebridades, cantores, jogadores de futebol e atores e diretores de cinema.
— Isso foi um ato de guerra, não somente contra o Irã mas também contra o Iraque. Eles também mataram um iraquiano, um herói de guerra — afirmou o analista político Mohammad Marandí. Ele acredita que a ação foi um “erro de cálculo” dos Estados Unidos, que se iludem ao acreditar que os melhores parceiros no Iraque são os ex-apoiadores do ex-presidente Saddam Hussein e combatentes que estão do mesmo lado do Estado Islâmico. — Eles foram enganados pela própria propaganda. E agora os americanos deram motivos para o Irã puni-los e também seus aliados na região.
O pedido de represália aos americanos esteve presente nas dezenas de protestos que aconteceram nas principais cidades iranianas. Muitas dessas manifestações foram chamadas pelos líderes religiosos durante a tradicional reza de sexta-feira. Embora as caminhadas tenham sido pacíficas, muitos dos participantes entoaram cantos de morte aos Estados Unidos e a Israel, pedindo vingança. Nisso, seguiram o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, que ameaçou os Estados Unidos.
— A morte do mártir Soleimani precisa ser vingada. Não fomos nós que começamos essa crise. O Irã vinha seguindo o acordo nuclear. Foram os Estados Unidos que se retiraram e começaram tudo de novo — afirmou o estudante Hussein Karimi.
A hashtag “mártir Soleimani” (Soleimani_Sharrid) foi largamente usada — não é possível dizer se foi um trending topic, pois o Twitter é oficialmente proibido, embora acessado pela população através do uso de VPN, simulando outra localidade.
A pressão por uma resposta robusta tende a colocar as autoridades iranianas em uma posição difícil nos próximos dias. Embora todos tenham adotado uma retórica de confronto e promessas de vingança, alguns analistas defendem que os líderes do Irã tendem a ser extremamente calculistas e frios em suas decisões.
— A questão não é se o Irã vai responder ou não, mas sim quando e como — afirmou Hamed Mousavi, professor de ciências políticas da Universidade de Teerã. — Mas se trata de uma questão complicada. Vai depender se o Irã vai querer ou não uma guerra aberta com os Estados Unidos. Claro que o assassinato não é algo que se possa passar sem resposta, mas o Irã certamente vai levar em consideração os prós e contras de uma guerra direta.
Por isso, muitos acreditam que os iranianos não devem atacar eles próprios os americanos, para evitar um confronto direto. Seriam usadas milícias aliadas do Irã na região do Oriente Médio, o que deixaria nebulosa a autoria das ações e aumentaria o custo político de um ataque direto dos Estados Unidos ao território iraniano — que poderia ser condenado pela comunidade internacional, se não houvesse uma prova concreta de envolvimento do país dos aiatolás.
— As autoridades estão falando duramente em represálias aos interesses americanos, mas não está clara se partirá do Irã ou de seus proxies — afirmou Luciano Zaccara, professor do Centro de Estudos do Golfo, da Universidade do Qatar. — Eu estou inclinado a acreditar que virá uma retaliação mais assimétrica contra os interesses americanos ainda no Iraque, não usando membros de suas próprias forças, mas os proxies. No entanto, é certo que virá uma resposta e que ela causará mortes — completou.
Além da raiva aos Estados Unidos, parte da população também demonstrou preocupação com a possibilidade de uma guerra.
— Claro que compartilho a dor de meus amigos e o sentimento de revolta. Mas não quero uma guerra, porque quem iria sofrer seria a população e não aqueles que autorizaram o ataque e a resposta — afirmou a estudante Narghez, que pediu para não divulgar o sobrenome, justamente por não defender uma resposta forte ao assassinato.
Embora não seja possível quantificar, alguns lembram que havia sim no país oposição à figura de Soleimani. No entanto, são pessoas que preferem não se manifestar neste momento de comoção nacional, ainda mais levando em conta a repressão aos protestos contra o aumento no preço dos combustíveis, de novembro do ano passado, quando centenas de manifestantes foram mortos pelas forças de segurança, segundo organizações de direitos humanos internacionais.