Emissora pública alemã critica 1º ano de Bolsonaro
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Presidente contrariou expectativas de que o cargo suavizaria seu estilo agressivo. Política de confronto favoreceu filhos, isolou núcleo militar, provocou rompimento com seu próprio partido e corroeu popularidade.
“Nunca antes na história deste país.” O bordão tantas vezes repetido pelo ex-presidente Lula pode ser usado para resumir o primeiro ano de Jair Bolsonaro à frente do Planalto – mas para destacar a turbulência e imprevisibilidade.
Em um espaço de 12 meses, não se cumpriram as expectativas de que o peso do cargo seria capaz de suavizar o estilo explosivo do ex-militar de extrema direita. Em vez disso, Bolsonaro mostrou desprezo pela liturgia e protocolos do cargo, além de permanecer no modo de campanha mesmo depois de subir a rampa.
Em um ano, ele se tornou o primeiro mandatário da história brasileira a abandonar o seu partido no mandato. Permitiu que a família exercesse uma influência nunca vista em assuntos de governo; colocou um número inédito de militares em postos-chave desde a redemocratização – e depois os marginalizou.
Promoveu uma guinada ideológica radical na política externa; espalhou e endossou teorias conspiratórias – chegou a denunciar uma suposta conspiração comunista em discurso na ONU. Atacou a imprensa e alimentou intrigas.
Contou entre seus sucessos a reforma da Previdência, mas segue acumulando derrotas no Congresso pela falta de uma base aliada. Não houve “lua de mel” entre Planalto, parlamentares e boa parte da população nos primeiros meses, seja pelo estilo muitas vezes errático da administração ou pelo governo logo ter adotado uma mentalidade de cerco diante de escândalos como o caso Queiroz e a perda vertiginosa de popularidade.
Também perdeu três ministros – a primeira baixa foi apenas 48 dias após a posse, recorde superado apenas por Michel Temer desde 1985.
Com o país contando ainda com 11,9 milhões de desempregados e 24,6 milhões na informalidade após cinco anos de declínio econômico, Bolsonaro também demonstrou mais predileção por alimentar controvérsias públicas e promover sua pauta dos costumes.
Em algumas oportunidades, juntou todas essas coisas de modo grotesco, como no episódio do vídeo do “golden shower”. Pressionou pela ampliação do acesso a armas, pauta cara à extrema direita, mas que tem oposição da maioria dos brasileiros.
Em dezembro, Bolsonaro acumulou no fim do seu primeiro ano o pior índice de reprovação entre todos os presidentes eleitos em início de mandato desde 1989: 38% consideram sua administração ruim ou péssima. Entre os que julgam seu governo bom ou ótimo (30%), o índice só é melhor do que o de Collor em 1990.
Tudo isso aconteceu em um cenário que havia se apresentado inicialmente favorável ao governo, com oposição ainda desorganizada e apoio maciço do mercado. Pouco antes dos cem dias à frente do governo, Bolsonaro desabafou: “Não nasci para ser presidente”.
Antes da posse, o clã Bolsonaro já vinha lidando com o desgaste das suspeitas sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho mais velho do presidente, Flávio.
Em janeiro, o caso de suspeita de “rachadinha” passou a se tornar um constrangimento recorrente para o governo quando o filho do presidente alegou foro privilegiado e pediu que o Supremo suspendesse as investigações, iniciativa que contrariou o discurso da família, que no passado criticou o privilégio.
Queiroz também deu explicações pouco convincentes e logo passou a ter um cotidiano discreto. Com o ex-assessor fora de cena, as atenções se voltaram para Flávio.
Em junho, o presidente do STF, Dias Toffoli, ordenou, a pedido da defesa de Flávio, a suspensão de investigações que envolvessem dados sigilosos. Mas em dezembro, no entanto, quando o STF já havia voltado atrás, o cerco a Flávio se intensificou. Ele passou a ser suspeito de lavagem de dinheiro e de chefiar uma organização criminosa. Prestou explicações inconsistentes para explicar o dinheiro.
Mas esse não foi o único fantasma a assombrar os Bolsonaro. O relacionamento do clã com milicianos do Rio também ficou em evidência tanto pelos problemas de Flávio – que contratou parentes de ex-PMs criminosos– quanto pelo caso Marielle. Em março, um ano após o assassinato da vereadora, policiais finalmente prenderam dois suspeitos. Um deles vivia no mesmo condomínio do Rio onde Jair e Carlos Bolsonaro têm imóveis. Outro tinha uma foto ao lado do presidente.
Coincidência ou não, o caso colocou sob nova perspectiva antigas declarações de Jair e seus filhos em defesa da milícia e a postura de desprezo do clã em relação à vítima. Em março, um presidente brasileiro se viu na posição surreal de ter que negar relação com um duplo homicídio durante uma entrevista. “Que motivo eu teria para encomendar um assassinato desses?”, disse.
Não foi o fim. Em outubro, a TV Globo exibiu reportagem baseada no depoimento do porteiro do condomínio que ligou os Bolsonaro aos suspeitos no dia do crime. O presidente reagiu de modo histérico em um vídeo. O MP, numa investigação apressada que foi alvo de críticas, descartou a versão do porteiro, que também recuou.
Antes da posse, havia expectativa de que os militares no governo seriam os “adultos na sala”, capazes de controlar o caráter explosivo do presidente. Por outro lado, havia o temor de que a natureza estatista e nacionalista do núcleo militar entraria naturalmente em choque com a ala liberal de Paulo Guedes.
Inicialmente, militares conseguiram exercer pressão para que o presidente recuasse de medidas controversas, como a escalada do envolvimento na crise da Venezuela. Mas logo vários membros da caserna começaram a ser marginalizados.
O clã Bolsonaro antagonizou regularmente com o vice-presidente, general Hamilton Mourão, acusado por militantes de conspirar contra o governo. Outro general, Santos Cruz, foi demitido após pressão do vereador Carlos Bolsonaro.
Ao final, o conflito não foi entre militares e liberais, mas entre generais e ala ideológica radical influenciada pelo ideólogo Olavo de Carvalho. Ao todo, nove generais e dois coronéis deixaram postos como as chefias dos Correios e da Funai por conflitos com o presidente, olavistas e ruralistas. Outros, como o general Augusto Heleno (GSI), evitaram conflitos ao passarem a agir como porta-vozes do bolsonarismo.
Ao montar seu ministério, Bolsonaro deixou claro que o discurso de campanha de combate ao que seu círculo de extremista enxerga como “ideologia de gênero”, “globalismo” e “marxismo cultural” não era bravata. Na pasta da Família, a “terrivelmente cristã” Damares Alves esvaziou conselhos voltados para minorias. Abraham Weintraub, no MEC, cortou verbas para universidades e bolsas e disse que as instituições de ensino superior “são centros de drogas”.
Ernesto Araújo, no Itamaraty, promoveu junto com Eduardo Bolsonaro uma guinda radical na política externa. O próprio Bolsonaro ordenou a retirada de uma propaganda do Banco do Brasil que, segundo ele, não “respeitava a família”. Ele ainda vetou que a Ancine ajudasse no financiamento de filmes com temática LGBT.
A “guerra cultural” também se estendeu à imprensa. Paradoxalmente, Bolsonaro é um dos presidentes que mais falou com repórteres nas últimas décadas. Diariamente, ele fala com jornalistas em frente ao Alvorada, só que para usá-los como escada para ataques. Ao lado, uma claque de apoiadores costuma aplaudir e rir das ofensas.
Ele tentou excluir o jornal Folha de S.Paulo de uma licitação e determinou o fim da obrigação da publicação de balanços em jornais, fonte de receita para os diários. Ainda ameaçou dificultar a renovação da concessão da TV Globo. Já na posse, dificultou o trabalho de jornalistas. Os trolls das redes virtuais de apoio ao governo também direcionaram “linchamentos virtuais” contra repórteres que desagradaram ao governo. Foi mais generoso com canais que se alinharam, como a Record e o SBT, que viram suas receitas de publicidade estatal aumentarem ao veicularem um jornalismo pouco crítico.
Ao longo do ano, especialmente em momentos em que se viu acuado, como no caso Marielle, Bolsonaro recorreu a teorias conspiratórias, citando a tentativa de assassinato que sofreu em 2018. Apesar de a própria PF ter descartado uma conspiração, o presidente continuou a afirmar querer saber quem foi o “mandante”. No entanto, não recorreu da decisão que absolveu o agressor por problemas mentais.
Segundo o site Aos Fatos, em 357 dias de governo, Bolsonaro deu 592 declarações falsas ou distorcidas.
Neste ano, não foi raro que o presidente, seus filhos e alguns ministros não apenas minimizassem os crimes da ditadura (1964-1985) como também demonstrassem a volta de um ciclo autoritário. Em março, Bolsonaro ordenou a celebração do aniversário do golpe de 1964 e disse que “não houve ditadura”. Também atacou a memória do pai do presidente da OAB, assassinado pelos militares.
Eduardo e o ministro Paulo Guedes mencionaram o AI-5 da ditadura como possível resposta do governo a uma eventual radicalização de protestos – algo que não aconteceu. O ministro Augusto Heleno disse era preciso “estudar como fazer” um novo AI-5.
Bolsonaro também ameaçou usar a Lei de Segurança Nacional contra Lula. Em setembro, Carlos afirmou que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”.
A onda radical explorada por Bolsonaro em 2018 também impulsionou candidaturas do seu então partido. Antes uma sigla obscura, o PSL elegeu a segunda maior bancada da Câmara e abocanhou parcela milionária do fundo partidário.
Mas o gigante PSL era um castelo de cartas. O partido nunca demonstrou coesão. Brigas internas passaram a ser relatadas diariamente. Bolsonaro, com influência de Carlos, também alimentou a turbulência ao demitir do governo Gustavo Bebianno, que presidiu o PSL durante a campanha. O partido ainda foi atingido por um duplo escândalo de candidaturas laranja. Em outubro, Bolsonaro declarou guerra aberta ao chefe do PSL, Luciano Bivar.
Bolsonaro deixou o PSL em novembro. No lugar, lançou a personalista Aliança pelo Brasil, cujo manifesto diz que a legenda é o sonho de “pessoas leais ao presidente Jair Bolsonaro”. Para postos-chave da legenda, escolheu filhos, inclusive Jair Renan, de apenas 21 anos.
A guerra no PSL foi só um dos aspectos da falta de experiência de Bolsonaro em lidar com partidos e Congresso, apesar de seus 30 anos como deputado. Antes da posse, ele disse que não iria incorrer na “velha política” e anunciou que negociaria com bancadas temáticas, deixando de lado caciques partidários. Não deu certo e o governo segue sem uma base parlamentar e acumulando derrotas e, por vezes, antagonizando com o presidente da Câmara.
Muito antes de se candidatar à Presidência, Bolsonaro já havia encaminhado três de seus filhos para a política. Era certo que Flávio, Carlos e Eduardo teriam algum tipo de influência no governo. Ainda assim, não há paralelo desde a redemocratização para o tipo de operação familiar que Bolsonaro favoreceu.
Oficialmente, nenhum dos filhos tem cargo no governo, mas um deles (Eduardo) atua como chanceler informal; outro (Carlos) fritou dois ministros e controla as redes sociais do pai; o terceiro (Flávio) é regularmente consultado pelo pai e exerceu mais influência em nomeações do que ministros.
A influência incendiária dos filhos causou exasperação até entre aliados, mas Bolsonaro só estendeu o poder do trio. Em julho, tentou nomear Eduardo como embaixador nos EUA – algo que só tem paralelos com ditaduras.
No caso de Carlos, chegou a falar que ele deveria ter um cargo de ministro. Já algumas ações do presidente, entre elas mudanças em órgãos de controle, chegaram a ser encaradas como tentativas de proteger Flávio.
Ao convidar Sergio Moro para o seu governo, Bolsonaro disse que o então juiz “teria liberdade total” e “carta branca” para combater a corrupção e o crime organizado.
Mas, em fevereiro, Bolsonaro já havia deixado claro que havia limites ao ordenar a exoneração de uma conselheira nomeada pelo ex-juiz considerada “esquerdista” demais pela sua militância.
Em maio, Bolsonaro disse que pretendia indicar Moro para uma vaga no STF, como parte de “um compromisso”. No entanto, em julho disse que queria alguém “terrivelmente evangélico”. Em agosto, disse finalmente que “não existe nenhum compromisso com Moro”.
No mesmo mês, Bolsonaro anunciou a troca do superintendente da PF no Rio, passando por cima da corporação subordinada a Moro. “Quem manda sou eu. Ou vou ser um presidente banana?”, disse. Bolsonaro ainda impôs um novo procurador-geral sem levar em conta a opinião do ministro.
Em dezembro, sancionou a versão desidratada do pacote anticrime sem vetar a figura do “juiz de garantias”, incluída no texto pelo Congresso. Moro pediu repetidas vezes que Bolsonaro vetasse o item.
Já os problemas de Moro não se limitaram a Bolsonaro em 2019. Ao longo do ano, o ministro também enfrentou derrotas no Congresso, como o esvaziamento do pacote anticrime e a retirada do Coaf do Ministério da Justiça. Já o STF barrou a prisão em segunda instância.
Em junho, Moro ainda foi atingido pelo escândalo de vazamento de dados da Lava Jato, que despertou suspeitas de conluio. O ministro adotou uma posição dúbia. Ora disse que não reconhecia as mensagens, ora afirmou que elas não tinham nada de mais. Ainda assim, Moro chegou ao fim do ano como o ministro mais bem avaliado do governo, segundo o Datafolha, com aprovação maior que a do presidente.
Logo nos seus primeiros dias de governo, Bolsonaro determinou que a demarcação de terras indígenas passasse para a Agricultura – a medida foi depois barrada. A Funai, que passou para o Ministério da Família, passou a ser rotineiramente esvaziada. Meio ambiente e política indigenista foram profundamente afetados em 2019.
Houve até mesmo suspeitas de revanchismo pessoal, quando um fiscal que multou Bolsonaro em 2012 foi exonerado. Sob Bolsonaro, o número de multas aplicadas pelo Ibama também despencou. Conselhos ambientais foram extintos.
Presidente e ministros também passaram a defender a exploração econômica de terras indígenas e o governo flexibilizou ainda mais a concessão de título de propriedade para invasores e desmatadores. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, promoveu mudanças unilaterais no Fundo Amazônia sem consultar os patrocinadores europeus e questionou a contribuição humana para as mudanças climáticas.
As ações do governo não tardaram a transformar o Brasil em um vilão internacional na questão ambiental. Embaixadas do país foram alvos de vandalismo. Líderes de outros países manifestaram preocupação. Alguns suspenderam verbas. ONGs apresentaram denúncias.
Em agosto, a abordagem da questão ambiental ganhou contornos de crise mundial quando a Amazônia passou a ser castigada por queimadas. A reação do governo foi tratar o caso como uma invenção de mídia e interferência externa. Bolsonaro acusou o Inpe de manipular dados de desmatamento e demitiu seu diretor. Ainda arrumou tempo para atacar a ativista sueca Greta Thunberg e o ator Leonardo DiCaprio.
No final de agosto, nova crise: o derramamento de óleo nas praias do Nordeste. Tal como na Amazônia, o governo agiu como se não tivesse nada a ver com isso. Bolsonaro nunca visitou as áreas afetadas. Salles, por sua vez, só ativou um plano para conter a crise 41 dias depois. Os comitês de contingência para lidar com esse tipo de desastre haviam sido extintos em abril.
Tanto no caso das queimadas quanto do óleo, o governo procurou bodes expiatórios e denunciou, sem qualquer prova, ter sido alvo de sabotagem. O presidente culpou ONGs pelos incêndios. O ministro Salles insinuou que o Greenpeace estava por trás do óleo e publicou um vídeo manipulado para acusar a ONG de não ajudar na limpeza.