Impasse no governo trava recursos do Fundeb
Foto: Daniel Marenco
A queda de braço em torno da discussão sobre a reformulação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) evidenciou dissonâncias internas no governo federal e empurrou para este ano a principal decisão na área.
O texto inicial da relatora da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) na Câmara, deputada Dorinha Rezende (DEM-TO), previa complementação de até 40% ao fundo por parte da União. Segundo fontes com acesso às discussões, no entanto, o índice deve cair e ficar entre 25% e 30% para facilitar sua tramitação na Casa e reduzir a distância em relação ao que foi proposto pelo governo federal, que sugeriu 15%.
O fundo é composto pelos impostos de estados e municípios e, atualmente, a União arca com 10% do montante para complementar o valor destinado a estados que não alcançam um valor mínimo por aluno.
Principal fonte de financiamento da educação básica pública no Brasil, o Fundeb corresponde a 63% de todo o recurso da etapa,e sua vigência termina em 2020.
A expectativa de estados e municípios era de que a PEC fosse votada ainda em 2019 para que houvesse tempo hábil para reorganização das unidades de ensino no novo modelo. Mas o impasse sobre o tamanho da fatia do bolo de recursos que caberá ao governo federal adiou a decisão.
— Há uma preocupação nítida com relação a isso e uma frustração com a impossibilidade de fechar o ano com o Fundeb definido. Ter o Fundeb aprovado significa dar condições de segurança na política de financiamento e viabilizar o planejamento — critica Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). — Este é um ano eleitoral, e 2021 terá a chegada de novos governos municipais, a definição permitiria planejamentos que valorizem programas de Estado, e não de governo.
Enquanto o Ministério da Economia tem participado de algumas conversas com a Câmara para tentar chegar a um consenso a respeito do percentual de complementação da União no Fundo, o Ministério da Educação trabalha num novo texto. Em audiência na Câmara, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que enviaria uma proposta paralela ao Congresso.
Relatora da proposta na Câmara, a deputada Dorinha Rezende (DEM-TO) reagiu às declarações de Weintraub. Em sessão, ela afirmou que a Casa não vai “engolir uma PEC enviada pelo governo”. Em entrevista ao GLOBO, a congressista voltou a criticar essa possibilidade:
— Não dá para brincar com a educação. Essa PEC está tramitando há muito tempo. Não temos o direito de sacrificar 48 milhões de alunos. Imagine o que aconteceria se começasse tudo de novo. Após a aprovação da PEC ainda precisamos de uma lei de regulamentação. E trabalhamos num texto que o Senado também está acompanhando — disse.
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A relatora acrescenta que conversou com o Ministério da Economia sobre fontes de recursos para viabilizar a complementação da União. A utilização de recursos existentes em fundos seria uma opção. Recentemente, a Economia enviou uma PEC ao Congresso para extinguir 248 fundos existentes. Redirecionar parte de recursos de desonerações de empresas também é uma das estratégias estudadas.
— Falta diálogo por parte do MEC. Não adianta mandar dois técnicos para negociar. Por mais competentes que sejam, não têm poder de negociação. No caso do ministro Paulo Guedes, ele ouviu com paciência os deputados, participou de maneira amistosa, sem ser belicoso — afirmou a deputada.
Presidente da Comissão de Educação na Câmara, o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) analisa que falta uma força política consistente para pautar de fato a discussão sobre o Fundeb. Segundo ele, mesmo na Câmara, as divergências sobre o texto acabam dificultando a celeridade do processo. Cunha Lima argumenta ainda que o tema não entrou no radar de prioridades do governo e tampouco foi central em 2019 para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
— O que poderia acontecer seria o MEC ser um eixo de concentração de força política para trabalhar em cima de um texto, mas isso não está acontecendo. O ministério segrega ainda mais. No fim das contas teremos vários textos e nenhum com força política para protagonizar o processo. A tragédia é ficar nesse nó e no fim das contas simplesmente prorrogar o modelo que já existe.
A simples prorrogação do Fundeb é vista por especialistas como um péssimo cenário para o desfecho da discussão. Isso porque o modelo vigente atualmente define que a União repasse o recurso para os estados que não alcançam o valor mínimo estabelecido por aluno. Neste ano, o valor foi de R$ 3.238,52, e nove estados receberam complementação: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
A discussão sobre a renovação do fundo é vista pelos educadores e gestores como uma possibilidade de corrigir distorções existentes no Fundeb e torná-lo mais redistributivo.
A ideia é fazer com que o dinheiro da União chegue também a municípios pobres que não alcançam o mínimo por aluno, mesmo que eles estejam em estados que conseguem alcançar esse patamar de financiamento e, por isso, de acordo com a regra atual, não recebem complementação.
— Foi perigoso deixar a discussão para este ano, porque o Fundeb termina em 2020, e a previsão orçamentária para o próximo ano deve incluí-lo. Como fazer isso se o modelo não foi definido? A previsão é encaminhada geralmente em setembro — opina Lucas Fernandes Hoogerbrugge, gerente de Estratégia Política do Movimento Todos Pela Educação. — Não temos tanto tempo. Para além de simplesmente acabar, o que é muito difícil, uma opção é prorrogá-lo, o que é bem ruim, porque se perde a chance de melhorar o mecanismo, não é só no que diz respeito à complementação da União, mas da forma de fazer o repasse.
Nesse sentido, a coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, defende a aprovação da proposta da Câmara. Segundo ela, o texto da deputada Dorinha Rezende realiza as correções necessárias para renovar o fundo sem prejudicar as redes de ensino.
— A minuta de relatório da deputada Dorinha traz um texto muito mais maduro, porque agrega parâmetros de qualidade, destinação melhor de complementação da União, e um sistema de distribuição que garante que nenhuma rede vai perder recursos com o novo Fundeb, garantindo estabilidade na transição — afirma Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ela defende ainda que a complementação continue no patamar de 40%.