Irã pode evitar guerra aberta e optar por ataques pontuais contra os EUA

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Ao contrário do Afeganistão e do Iraque, o Irã têm Forças Armadas estruturadas e poderosas, e uma rede de aliados em diversas partes do Oriente Médio. Em um conflito com os Estados Unidos, o país buscaria uma estratégia assimétrica, que evitasse, sempre que possível, confrontos convencionais, e priorizasse ataques pontuais, capazes de provocar distúrbios na economia global e em aliados dos EUA. Estes, por sua vez, provavelmente tentariam adotar uma estratégia rápida e letal, que dificilmente teria sucesso.

Para que comece um confronto em larga escala entre os dois países, basta que um deles dê um passo em falso e cometa uma agressão que o outro lado considere inadmissível. Uma vez deflagrado um grande confronto, é provável que ele tenha ramificações por toda a região, que sofreria uma desestabilização profunda.

Em diversas declarações, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e aliados seus já sugeriram que, no caso de uma guerra, as Forças Militares do Irã seriam facilmente sobrepujadas, em uma vitória esmagadora. Em junho de 2019, Trump disse que “não tinha uma estratégia de saída”, em sugestão de que a vitória seria tarefa simples.

A declaração é condizente com um provável plano americano — em caso de guerra, os Estados Unidos tentariam, por meio de seu poder aéreo e naval, derrotar o Irã em questão de dias ou semanas. Os principais alvos seriam a infraestrutura iraniana, sobretudo a militar, com bombardeios contra instalações de mísseis, aviões e navios de guerra, instalações nucleares e prédios onde pudessem estar altas autoridades.

Para serem efetivos, estes bombardeios teriam que se desviar do mais avançado sistema de mísseis do Oriente Médio, de acordo com o próprio Departamento de Defesa americano, composto por foguetes de curto e médio alcance. Os mísseis iranianos incluem o sistema russo S-300, o mais moderno que os Estados Unidos já enfrentaram, assim como o sistema produzido no próprio Irã Bavar 373, que o país afirma que é ainda mais poderoso. Para evitar estas defesas, os EUA precisariam de caças F-22 e F-35s.

Mesmo se os ataques americanos fossem efetivos, é incerto, contudo, o que poderia constituir uma vitória. Ataques aéreos só costumam ser decisivos para provocar mudanças de regime quando acompanhados por tropas terrestres, e uma invasão por terra é, por ora, improvável. O Irã tem 83 milhões de pessoas, quase o triplo da população iraquiana em 2003, e a sua área também supera em quase quatro vezes a do vizinho. O Exército iraniano é o oitavo maior do mundo, com cerca de 523 mil militares na ativa e 350 mil na reserva.

As montanhas do país, que cercam três de seus quatro lados e onde vive a maioria da população, oferecem obstáculos naturais contra invasões. A Turquia dificilmente autorizaria que uma operação pudesse acontecer a partir de sua fronteira a Leste, enquanto um ataque a partir do Afeganistão, no Oeste, exigiria cruzar dois desertos.

De acordo com o Instituto Dupuy, nos arredores de Washington, operações de contrainsurgência exigem 1 soldado a cada 50 habitantes — o que significa que, para controlar o Irã, seriam necessários 1,6 milhão de soldados americanos. Há, no momento, 656 mil militares americanos na ativa, e o número de tropas americanas no Iraque jamais superou 180 mil.

Para responder a ofensiva — e, também, ao assassinato do general Soleimani — as opções de Teerã devem incluir ataques que aumentem o custo da guerra para os EUA e seus aliados. Estes ataques podem ser possibilitados pelos mísseis balísticos do Irã, que vão desde o Shahab 1, com alcance de 300 quilômetros, ao míssil de cruzeiro Soumar, que pode chegar a 2.500 quilômetros.

Ataques contra instalações na Arábia Saudita ou nos Emirados Árabes, possivelmente contra bases americanas nestes países, são prováveis. O país também pode atacar campos de produção de petróleo — como é acusado de fazer , em setembro de 2019, contra a petroleira saudita Aramco —, ou então navios petroleiros que passam no Estreito de Ormuz, o que elevaria os preços globais de combustível.

Também são previsíveis ações por meio de seus aliados na Síria, no Líbano e no Iraque — milícias xiitas chamadas de “procuradores”, ou “proxies” —, sobretudo contra diplomatas, militares e funcionários de empresas americanas. Os houthis, no Iêmen, podem lançar ainda mísseis contra a Arábia Saudita, ou então o Hezbollah, no Líbano, pode atacar Israel, como já aconteceu em 2006, quando, ao longo de um mês, o grupo do Líbano lançou cerca de 4 mil de seu arsenal de 150 mil foguetes contra o país, que, por sua vez, disparou cerca de 7 mil bombas e mísseis no Líbano. Há ainda a possibilidade de ciberataques, contra redes virtuais digitais e globais.

O Globo.