Leia a íntegra do artigo de Lula no The Washington Post
Foto: Leo Correa/AP
Imagine como a história americana se desenrolaria se, na década de 1970, membros do público e das autoridades estivessem mais preocupados em atacar e investigar Carl Bernstein e Bob Woodward do que em procurar a verdade sobre o escândalo de Watergate. Se o Congresso e o FBI decidisse investigar os repórteres do Post e suas fontes, e não as irregularidades do Partido Republicano.
Isso é análogo ao que está acontecendo hoje no Brasil, onde o jornalista Glenn Greenwald está sendo perseguido por suas atividades jornalísticas. Greenwald foi acusado na terça-feira de “crimes cibernéticos” por reportar no ano passado mensagens de celular vazadas que mostravam sérias violações em uma força-tarefa para investigar a corrupção conhecida como Operação Lava Jato.
Greenwald é alvo desde que seu site de notícias, The Intercept Brasil, começou a publicar histórias baseadas nas mensagens vazadas, fornecidas por uma fonte secreta protegida.
O Intercept demonstrou que houve conluio entre o juiz e os promotores federais que supervisionavam o caso. O juiz, Sérgio Moro, agora é ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro – sua recompensa por politizar a investigação de corrupção.
As ações de Moro e dos promotores serviram para preparar o terreno para o meu julgamento injusto. A investigação de Greenwald foi fundamental para demonstrar como a Operação Lava Jato violou meus direitos legais e humanos.
Então agora eles estão indo atrás da imprensa. O promotor federal que acusou Greenwald violou uma ordem da Suprema Corte brasileira que protegia a liberdade de imprensa de Greenwald.
Mas abusos como esse não são novidade no Brasil. O impeachment politicamente motivado da presidente Dilma Rousseff em 2016 foi uma clara violação da constituição e sinalizou a futura manipulação generalizada do sistema judicial contra os rivais políticos do governo.
Mas não devemos perder o foco. As mensagens secretas reveladas pelo The Intercept Brasil confirmaram que Moro e os promotores haviam contado com advogados, evidências ocultas e direcionado depoimentos para falsificar acusações e condenações.
Moro e promotores vazaram ilegalmente um telefonema de Dilma para manipular a opinião pública. As mensagens mostram que eles mentiram para a Suprema Corte sobre esses fatos – e continuam mentindo para o país hoje.
Com poucas exceções, a mídia brasileira tocou junto. A cobertura da poderosa rede de TV Globo concentra-se no inquérito da Polícia Federal para criminalizar as fontes e o próprio jornalista.
Esse comportamento ridículo da mídia mudou o curso da história e contribuiu para a eleição de Bolsonaro, um líder de direita que, com essa acusação mais recente, mudou com sucesso a conversa do fato de que, até recentemente, ele tinha um promotor do Nazismo como secretário de Cultura.
Nos últimos meses, lutei para limpar meu nome após um erro grave na Justiça – mas minha maior preocupação é o dano a longo prazo que esse governo está causando ao nosso país.
As pessoas podem concordar ou discordar de um político ou de um partido, mas um sistema de justiça justo e liberdade jornalística não devem estar em debate.
Greenwald é testemunha, repórter e agora também a mais recente vítima de um processo que está enfraquecendo a democracia brasileira.