Manifestantes foram presos sem provas em SP, diz advogado
Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
O primeiro ato contra o novo aumento da tarifa de transporte público terminou com 32 pessoas detidas por volta das 22h, na última terça-feira (7/1) na cidade de São Paulo. O protesto foi organizado pelo MPL (Movimento Passe Livre), que existe há cerca de 15 anos, mas que ganhou maior projeção nas jornadas de junho de 2013.
Só às 3h40 da madrugada da quarta-feira (8/1) os últimos ativistas foram liberados. Entre os detidos, segundo os advogados que acompanhavam o caso, 5 eram menores de idade. Eles foram levados ao 78º DP (Jardins), onde 29 foram qualificados e 3 assinaram termo de circunstanciado de desacato e dano ao patrimônio.
O nome dos detidos não foi divulgado pelo MPL nem pelos advogados, assim como o nome dos PMs que foram registrados no Boletim de Ocorrência como vítimas. As provas, de acordo com a defesa, são imagens do metrô, mas que podem não comprovar materialidade de que os detidos cometeram alguma infração. As 32 pessoas foram levadas ao 78° DP (Jardins) em um ônibus de viagens, onde ficaram por cerca de 2 horas, sendo que 40 minutos foram em frente ao DP.
Um áudio obtido pela Ponte, gravado dentro do ônibus, mostra os policiais militares rindo e tirando sarro de todos os jovens enquanto registravam os dados pessoais de cada um, antes da liberação para descer do ônibus e entrar na delegacia. Um dos PMs chama uma jovem de “infeliz” ao liberá-la para falar com a mãe antes de entrar na delegacia. Outro manifestante, que mora na Grande SP, foi questionado do motivo de se manifestar em uma cidade que não é a sua.
O advogado Marcus Lago, 26 anos, que acompanhou os ativistas detidos, explicou para a reportagem as acusações. “Os PMs detiveram 32 pessoas, a maioria não tinha nenhuma acusação, mas foram qualificados e liberados rapidamente. Eles escolheram três pessoas aleatórias para acusar, aquele procedimento padrão que a gente sabe que a polícia acaba fazendo principalmente no término das manifestações”, conta o defensor.
“As acusações são de dano ao patrimônio, mas na verdade foi um dano só ao fardamento dos policiais, e desacato, que é algo aberto, que qualquer coisa eles podem entender como desacato. Agora vai ter a investigação e temos que ver se eles conseguem provar alguma coisa, mas pelo que vimos não tem a menor chance disso acontecer, até porque as pessoas que foram cercadas e detidas estavam em um momento que não havia confusão e muitos estavam com receio de sair da estação”, argumenta Lago.
Marcus lembra que, passados 7 anos das manifestações de junho de 2013, o aparato da polícia se intensificou. “A forma com que eles tratam as manifestações, o aparato tecnológico e até o preparo físico deles aumentou muto por conta de 2013. Algo que não muda são as prisões arbitrárias, que acontecem justamente no término dos atos para intimidar e desencorajar pessoas a irem para as ruas”, critica.
Segundo relato dos jovens detidos e de testemunhas, o grupo estava na estação Trianon/Masp, da linha 2 – Verde do Metrô, na Avenida Paulista, região central da capital paulista, do lado oposto ao tumulto causado quando homens do Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia) entraram na estação para dispersar os manifestantes que se abrigaram ali para fugir da chuva.
Uma das jovens detidas conversou com a Ponte assim que foi liberada. Ela pediu para não ser identificada por temer represálias. “Estávamos no metrô, olhando, e do nada eles [PMs] começaram a fechar a gente. Fizeram uma rota com escudos e gritaram: ‘senta!’. Mandaram um por um para revistar. Quem foi detido no busão, não fez nada. Teve gente que nem estava na manifestação”, afirma a jovem de 18 anos.
Elias de Deus, pastor de 21 anos, foi um dos jovens que teve que assinar o termo circunstanciado. “Quando começou a chover, a gente entrou pra estação. Teve um grupo de manifestantes que falou que ia pular a catraca, mas tinha manifestante que estava só esperando a chuva passar para ir embora, como eu”, explica o pastor.
“O Baep e a PM estavam reprimindo esses que estavam do outro lado, com cassetetes. Quando achamos que íamos embora, a polícia nos cercou e nos trouxe para cá. Três de nós fomos escolhidos para ser acusados de depredação e desacato. Eu sou um pastor, sou contra isso. Eu me senti em 1964 [na época da ditadura]. A gente tá sendo preso por lutar pelo que acreditamos”, critica Elias.
Entre os detidos estava o repórter fotográfico Rodrigo Zaim, fundador do coletivo RUA e cofundador do Instituto Afro Amparo e Saúde, que foi levado pela PM mesmo após se identificar como jornalista. O fato de estar sem o crachá bastou para que ele fosse detido. “Eu estava do outro lado da confusão, esperando o metrô para voltar para casa, quando os PMs chegaram e nos mandaram sentar. Eu sentei, me perguntaram se eu era jornalista, eu disse que era, me pediram o número da minha credencial e eu falei que não sabia de cabeça. Então me trouxeram para cá”, explica Zaim.
Uma artesã de 56 anos também foi detida. Ela contou à Ponte que estava no ato e reforçou a versão dos outros detidos: “Todo o pessoal que foi detido e levado para o ônibus estava apenas observando, não assinei nenhum papel, mas anotaram os meus dados e tiraram aquela foto de bandido”.
Dos 3 meninos autuados, um fazia parte de um grupo de cerca de 6 pessoas. Uma amiga do jovem, que não quis se identificar, defendeu o rapaz. “Todo mundo do ônibus não tinha a ver com a confusão. Os três que ficaram e foram fichados foram os três meninos que eles [os PMs] mais encanaram no ônibus. Dava para ver que eles queriam fazer alguma coisa com esses três”, conta a estudante de 19 anos.
“Não teve agressão, mas teve pressão psicológica. Perguntaram pro meu amigo se ele era desempregado e quando ele confirmou falaram que ele tinha cara mesmo. Fizeram isso só porque ele é pobre. Eles pegaram o nome deles primeiro. O meu amigo estava na minha frente, mas eu fui liberada antes dele e colocaram tudo nas costas deles”, continua.
Em nota, enviada às 22h33 desta terça-feira (7/1), a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) e a PM, comandada pelo coronel Marcelo Vieira Salles, a assessoria de imprensa terceirizada da pasta, a InPress, informou que a PM atuou “para garantir a segurança dos participantes e o direito de ir e vir dos paulistanos” na estação Masp.
“Após orientação dos PMs, os manifestantes foram conduzidos para a área externa da estação, que foi depredada. Um grupo com aproximadamente 30 manifestantes foi detido”, diz a SSP, informando que apreendeu coquetéis molotovs, recipientes com materiais inflamáveis e outros objetos com as pessoas.
A pasta ainda informou que um major da PM foi ferido por estilhaço de vidro, “sendo socorrido ao Hospital das Clínicas”.