Mulheres graduadas são 70% dos que ganham até um salário
As mulheres têm mais anos de estudo que os homens, são maioria entre os que chegaram ao curso superior, mas continuam a ter presença maior nas faixas salariais mais baixas. Estudo do pesquisador Bruno Ottoni, da Consultoria IDados, mostra que, entre os trabalhadores que ganham até um salário mínimo, 11% têm nível superior completo ou incompleto. Nesse universo, 70% são mulheres. São quase dois milhões (1,9 milhão) de profissionais com qualificação recebendo até R$ 998 (piso que vigorou em 2019). Uma situação que se mantém em períodos de crescimento ou de recessão.
A crise econômica pouco mudou essa configuração. Em 2014, melhor momento do mercado de trabalho recente, elas representavam 69,9%. Em 2019, com o país ainda recuperando-se de uma de suas piores recessões, a participação permaneceu em 69,7%.
— As mulheres trabalham menos horas por semana e gastam mais tempo com o trabalho doméstico, e isso ocorre em todas as faixas de renda. Elas também são maioria entre os informais, que ganham menos. Todos esses fatores, de certa maneira, ajudam a explicar o porquê de haver essa maior quantidade de mulheres nesse grupo de trabalhadores qualificados que ganham até um mínimo — afirma Ottoni.
Em média, a mulher dedica 20 horas semanais aos afazeres domésticos, o dobro do que o homem destina. O que acaba deixando menos tempo para o trabalho remunerado. E essa diferença entre trabalho feminino e masculino se mantém mesmo nas faixas salariais e de escolaridade mais altas, de acordo com dados do IBGE.
Formada em Administração desde 2012, Monalisa Ramos Leite trabalha na área jurídica de uma empresa de telefonia em Teresina, no Piauí, ganhando um salário mínimo. Monalisa também tem pós-graduação em Gestão de Pessoas, mas ainda não conseguiu uma oportunidade correspondente à formação.
— O que me decepciona é que a gente não ganha como um profissional da minha área tem de ganhar — diz Monalisa, que tenta aumentar a renda participando de concursos públicos, mas tem ficado no banco de reserva.
Maior desigualdade
Cristiane Soares, pesquisadora e técnica do IBGE, afirma que há mais mulheres do que homens com nível superior completo, o que também ajuda a explicar a representação maior delas nesse universo de ocupados. Entre elas, 16,9% acima de 25 anos cursaram faculdade, entre eles, a taxa cai para 13,5%. No entanto, as mulheres ganham bem menos que os homens, refletindo uma desigualdade que permeia todo o mercado de trabalho. Segundo a pesquisadora, a mulher entre 25 e 49 anos com nível superior recebe, em média, 64,2% do salário do homem nas mesmas condições.
— Conforme aumenta a escolaridade, a desigualdade também aumenta. É difícil gerenciar tempo, família e o que tem no mercado. E há discriminação também — diz Cristiane, que também cita os afazeres domésticos como entrave para as mulheres ganharem mais.
Professora do Insper, Regina Madalozzo lembra que, desde os anos 1990, as mulheres são maioria no ensino superior. No entanto, ela aponta que a formação delas é mais concentrada em áreas de ensino, como Pedagogia e licenciaturas (formação para dar aulas), num país em que os professores são pouco valorizados.
— Há muitas mulheres fazendo Pedagogia, uma área que paga muito pouco. Esse dado (da presença maior de mulheres entre os que ganham menos) é um indício forte que elas estão se formando em licenciatura. Isso mostra que se valoriza muito pouco o professor no Brasil. É isso que estamos vendo.
É o caso de Ruanne Cristina de Araújo. Formada em Pedagogia há um ano, ela trabalha como operadora de telemarketing em Teresina, ganhando menos que um salário mínimo. Recebe R$ 800 por uma jornada de seis horas e 20 minutos.
—A gente estuda, passa quatro anos na faculdade e se vê trabalhando para ganhar nem o salário mínimo. É muito frustrante.
Frustração e desestímulo
O salário baixo impede que Ruanne, aos 24 anos, more sozinha. Ainda depende da família, apesar de ajudar nas despesas da casa. Diz ter aprendido na prática que não basta ter um curso superior para melhorar de vida:
— Agora estou apostando em cursos de pós-graduação com a meta de conseguir um posto de trabalho melhor e salário mais alto.
Regina Madalozzo, do Insper, alerta para o efeito provocado nos jovens de constatar essa remuneração tão baixa mesmo para quem conseguiu concluir curso superior:
— Há estudos que mostram que essa situação (escolaridade alta e salário baixo) desincentiva os jovens a fazerem ensino superior. Eles olham em volta e não veem benefício.
Pelo estudo de Ottoni, a crise econômica e o alto desemprego dos últimos anos não mudaram a estrutura de gênero desse universo de trabalhadores, mas fez aumentar significativamente a parcela dos que têm diploma nesse contingente. Antes da crise, em 2014, eles representavam 39,1%. O restante era de quem tinha o curso superior incompleto. No segundo trimestre deste ano, os formados já representavam 45,4% desse grupo que ganha até R$ 998.
— A crise afetou negativamente até mesmo os indivíduos com ensino superior completo, que são os mais educados dentre os qualificados — diz Ottoni.
Formada em Pedagogia e com pós-graduação em Gestão Escolar no currículo, Denise Luana Alves da Silva, de 24 anos, nunca conseguiu trabalho em sua área e sobrevive ganhando um salário mínimo, por mês, também como operadora de telemarketing:
— Não consigo emprego na área porque exigem experiência. Como eu vou ter experiência se não há oportunidade? Quando a gente se forma, sonha ter um emprego com estabilidade, mas não existe oportunidade de trabalho na área.
Ela afirmou que, como ela, há muitas mulheres no trabalho de telemarketing, mas não lamenta ter se esforçado para ir mais longe na educação:
— Estou decepcionada por ter curso superior, pós-graduação e estar ganhando um salário mínimo, mas não arrependida. Não se pode ficar arrependida de ter estudado.