Os altos e baixos entre Bolsonaro e Moro

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Foto: Isaac Amorim/MJSP

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, tido como “superministro” no início do governo, e o presidente Jair Bolsonaro acumulam uma série de atritos deste o início da gestão. Agora, ele admite contrariar o ex-juiz, retirando da pasta as políticas de combate à criminalidade, uma das principais atribuições da área e a que reúne resultados positivos até aqui.

Ao mesmo tempo, o presidente publicou na edição desta sexta do Diário Oficial da União um decreto que transfere de Moro para ele próprio a decisão final sobre expulsão de estrangeiros do País. Com a medida, Bolsonaro altera uma prática de 20 anos.

A investida contra Moro ocorre no momento em que sua popularidade supera a do presidente e que seu nome passa a ser cotado como eventual candidato à Presidência.

Relembre outros “desencontros” entre Moro e Bolsonaro:

Desde dezembro de 2019, Bolsonaro estuda recriar o Ministério da Segurança Pública, atualmente sob o comando de Sérgio Moro. Bolsonaro tem agido com cautela por causa da reação popular em torno do tema, já que a medida é vista como um esvaziamento da pasta de Moro.

Outra derrota recente foi a sanção por Bolsonaro da implementação do juiz de garantias. Moro era contra, mas o presidente tomou partido do Congresso, que incluiu o tema dentro do pacote de Moro. Ontem, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, derrubou por meio de liminar a medida, derrotando Bolsonaro – e Moro comemorou nas redes sociais.

Em abril, na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou na maior feira de agronegócio do Brasil, a Agrishow, que pode isentar produtores rurais que atirarem contra invasores, Moro, disse que ainda “era prematuro” discutir essa questão.

“É um projeto para fazer com que, ao defender sua propriedade privada ou sua vida, o cidadão do bem entre no excludente de ilicitude, ou seja, ele responde (um processo), mas não tem punição”, justificou Bolsonaro falando de uma de suas promessas de campanha.

O ministro, no entanto, afirmou que é preciso haver mais discussão sobre o assunto. “É prematuro discutir essas questões sem que nós tenhamos ela ainda como uma política pública absolutamente delimitada”, disse Moro em uma coletiva de imprensa, sem esconder o desconforto com o assunto.

“Existem políticas públicas que são formuladas dentro do governo, com interação das diversas pastas envolvidas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública quando há essa pertinência temática, e essas políticas públicas são discutidas, há idas e vindas, avanços e recuos”, completou.

Um dos primeiros desencontros do presidente com o ministro tem a ver com a cientista política Ilona Szabó, que dirige o Instituto Igarapé, especializado em estudos sobre segurança pública. Em 22 de janeiro, ela foi convidada pelo ministro para integrar, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Após protestos da base de Bolsonaro nas redes sociais, a cientista foi desconvidada.

“Mandei uma mensagem para a chefe de gabinete. O ministro Sérgio Moro me ligou de volta. Dado o clima (nas redes), eu sabia que o risco existia. O ministro me pediu desculpas. Disse que ele lamentava, mas estava sendo pressionado, porque o presidente Bolsonaro não sustentava a escolha na base dele”, afirmou Ilona ao Estado na época. Em nota, o ministério informou, à época, que a revogação do convite ocorreu após “repercussão negativa em alguns segmentos”.

Uma das principais bandeiras de campanha de Bolsonaro, a flexibilização do porte de armas foi objeto de um decreto assinado pelo presidente, que posteriormente acabou sendo derrubado pelo Congresso.

Apesar de ser uma medida ligada à área da pasta, o documento do decreto não passou por pareceres técnicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que recebeu a cópia do texto elaborado pela Casa Civil apenas uma hora antes da solenidade no Palácio do Planalto que anunciou a medida. Moro chegou a afirmar que o decreto não era uma medida de segurança pública. e não levou a assinatura de Moro.

O pacote anticrime apresentado por Sérgio Moro não mereceu muita atenção de Bolsonaro. No dia 8 de agosto, o presidente defendeu que o Congresso Nacional não desse prioridade ao pacote para não atrapalhar a pauta econômica e afirmou que havia conversado com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que ele pautasse o pacote anticrime somente após a tramitação da Reforma da Previdência.

Bolsonaro afirmou que pediu “paciência” ao ministro quanto à tramitação de seu pacote e que sua aprovação não “depende dele [Moro]”, mas do Parlamento. “Logicamente, um ministro da ‘situação’ do Moro, no meu entendimento, veio para o governo com um propósito. E ele quer ver as suas propostas aprovadas. Ele tem consciência que não depende apenas dele, depende do Parlamento”, declarou Bolsonaro, que complementou dizendo que Moro não tem mais “a caneta na mão”, como na época em que era juiz.

Em meados de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, suspendeu todas as investigações criminais em curso no País que utilizavam dados de órgãos de controle como o Coaf, a Receita Federal e o Banco Central, sem autorização judicial prévia.

A decisão veio após um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que é investigado por um suposto esquema de “rachadinha” em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio na época em que era deputado estadual no Estado. Bolsonaro saiu em defesa da decisão do ministro e teria se irritado ao saber que Moro teria ido conversar com Toffoli a fim de demovê-lo da medida, que tem repercussão geral e pode suspender uma série de investigações contra lavagem de dinheiro e outros delitos.

O ministro afirmava publicamente o desejo de que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) permanecesse no Ministério da Justiça, como previa a reforma ministerial do governo feito no início do mandato, via Medida Provisória. A medida, no entanto, sofreu reações e acabou sendo vetada pelo Congresso, que devolveu o órgão de controle ao Ministério da Economia.

Bolsonaro chegou a afirmar que não se opunha a retirar o Coaf de Moro e deixá-lo com o ministro Paulo Guedes, da Economia, para obter apoio no Congresso. “Não me oponho em voltar o Coaf para o Ministério da Economia, apesar de o Paulo Guedes estar com muita coisa”, disse Bolsonaro.

Em agosto, Bolsonaro assinou uma MP que transferiu o Coaf para as competências do Banco Central e mudou o nome do órgão, que passou a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Como resultado da mudança, o então presidente Roberto Leonel, aliado de Moro e indicado pelo ministro, foi exonerado, dando lugar ao servidor de carreira do BC Ricardo Liáo.

No final de agosto, em resposta a um internauta no Facebook que pedia para o presidente “cuidar bem” do ministro Sérgio Moro, Bolsonaro respondeu que o ex-juiz não esteve com ele durante a campanha.

“Jair Messias Bolsonaro cuide bem do ministro Moro, você sabe que votamos em um governo composto por você ele e o Paulo Guedes”, escreveu um seguidor do presidente em sua página oficial do Facebook. “Com todo respeito a ele (Moro), mas o mesmo não esteve comigo durante a campanha, até que, como juiz, não poderia”, respondeu Bolsonaro.

Como informado pelo Estadão/Broadcast, Bolsonaro indicou, no dia 23 de agosto, cinco nomes para integrar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Embora fortemente ligado à pasta de Moro, o ministro não foi consultado e não teve influência.

As indicações atenderam a pedidos de parlamentares, como o próprio presidente admitiu em almoço com jornalistas no último sábado, 31, quando afirmou que precisa ceder a deputados e senadores para “conseguir governar”.

Estadão