Pressionado por impeachment, Trump triplica tuítes

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Foto: Josh Haner/New York Times

Assim que a presidente da Câmara dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, anunciou que abriria uma investigação para saber se Donald Trump havia cometido crimes passíveis de impeachment, em 24 de setembro de 2019, o presidente recorreu ao espaço por meio do qual se comunica com maior frequência: sua conta do Twitter. Entre as 21 postagens que @realDonaldTrump compartilhou na ocasião estão expressões como “assédio ao presidente”, “caça às bruxas” e um vídeo em que acusa a oposição de querer removê-lo sem motivo.

Segundo um levantamento feita pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP FGV) para O GLOBO, durante os mais de quatro meses que separaram a abertura do inquérito de impeachment e a quarta-feira, dia 29, o presidente americano tuitou exatas 4 mil vezes — uma média de pouco menos de mil tuítes ao mês. Entre o início de seu mandato, em 20 de janeiro de 2017, e setembro do ano passado, sua média mensal de postagens foi significativamente menor: cerca de 330 posts ao mês, de acordo com sites que arquivam os tuítes do presidente.

Apenas no dia 22 de janeiro, Trump postou 142 vezes em sua rede social — seu recorde diário desde que assumiu a Presidência. A chuva de tuítes tinha um alvo claro: naquele dia, os sete deputados democratas que atuam como promotores no julgamento do Senado começaram a apresentar seus argumentos contra o presidente.

Ele é acusado de abuso de poder e obstrução do Congresso depois que a investigação da Câmara concluiu que houve uma campanha de pressão para que o governo da Ucrânia investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden, potencial rival de Trump nas eleições deste ano. A acusação sustenta que Trump reteve um pacote de ajuda à Ucrânia de US$ 391 milhões e também usou como barganha uma visita do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à Casa Branca.

Apesar da perspectiva de que seja absolvido pelo Senado, onde os republicanos são 53 dos 100 senadores, Trump é apenas o terceiro presidente americano a enfrentar um julgamento na Casa, depois de Bill Clinton, em 1998, e Andrew Johnson, no século 19, já que Richard Nixon renunciou logo depois de ser acusado na Câmara. O incômodo com a marca que isso deixará em sua Presidência fica claro em suas postagens.

Entre os dias 24 de setembro de 2019 e 29 de janeiro deste ano, os tópicos mais usados pelo presidente deixam claro onde está seu foco: “democratas” aparece em grande quantidade, seguido por variações do nome de Adam Schiff, presidente da Comissão de Inteligência da Câmara e líder da equipe de acusação no Senado. Outros alvos comuns incluem Nancy Pelosi, Ucrânia e Biden.

Os retuítes, quando Trump compartilha a postagem de outro usuário, também são significativos. Isso, segundo o professor Brian Ott, da Universidade Texas Tech e autor do livro The Twitter Presidency: Donald J. Trump and the politics of white rage (A Presidência do Twitter: Donald J. Trump e as políticas da raiva branca), é estratégico:

— Ele gosta especialmente de retuitar trechos de comentaristas políticos da Fox News, e isso lhe traz algumas vantagens — afirmou. — Boa parte dos americanos não entende que comentários políticos são diferentes de notícias. Logo, as “opiniões pró-Trump” parecem notícias para seus seguidores.

Para o Coordenador de Linguística do DAPP FGV, Lucas Calil, a quantidade de postagens do presidente não é inédita, mas pode apontar uma tendência:

— O presidente Trump tem tuitado com maior intensidade, mas isso faz parte da postura dele na rede social. Ele costuma tuitar neste ritmo em épocas de crises, como no auge da guerra comercial com a China, mas sempre manteve, de forma contínua, atividade muito forte na rede social. Acredito que, após o julgamento de impeachment, ele possa manter esta velocidade, mas se voltando para a eleição.

O tuíte mais popular do presidente americano no período analisado, com 143.384 respostas e 196.155 retuítes, é uma montagem que põe sua cabeça no corpo de um campeão de boxe. A segunda postagem com mais engajamento é apenas uma bandeira dos Estados Unidos, compartilhada logo após o assassinato, por ordem presidencial, do general iraniano Qassem Soleimani — algo que deixou Teerã e Washington à beira de uma guerra.

O alcance das mensagens do presidente no Twitter vai muito além da rede social. Segundo uma pesquisa realizada pela Morning Consult entre os dias 13 e 15 de janeiro, 94% dos entrevistados disseram ter lido, visto ou escutado algo relacionado aos tuítes de Trump. Destes, 72% disseram ter sido informados das postagens pela televisão. Para Ott, a retórica simples, impulsiva e emotiva, somada ao alcance de seu discurso, faz com que Trump seja “a pessoa mais perigosa já eleita para a Presidência dos EUA”:

— A retórica dele é divisiva e enganosa. Ele transita pelo ódio e por mentiras. Por meio de suas palavras e de seus atos, ele abusa constantemente das normas democráticas, princípios e instituições — disse, ressaltando que este fenômeno é maximizado pela cruzada recorrente do presidente contra a imprensa.— Eu não digo isso levianamente, mas sim porque entendo que as palavras têm consequências. O discurso e as ações do presidente criaram um governo sem leis, auxiliado por republicanos na Câmara e no Senado.

Desde que Trump criou sua conta no Twitter, em março de 2009, houve apenas um dia em que o presidente tuitou mais do que no início do julgamento de impeachment no Senado: 4 de janeiro de 2015. Naquele dia, os 147 tuítes do então empresário e apresentador de TV Donald Trump marcavam algo especial: a 14a temporada de seu reality show, O Aprendiz, estreava na televisão americana.

O Globo