PT tenta aproximação com evangélicos

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Foto: Reprodução

Ao longo dos 580 dias em que ficou preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou bastante impressionado com a proliferação de canais de igrejas evangélicas na TV aberta. Em sua rotina na prisão, com escassas possibilidades de entretenimento, Lula acompanhava os programas de diferentes igrejas neopentecostais, observava atentamente o discurso que os pastores desenvolviam na televisão e não deixava de manifestar, em várias conversas com amigos, sua perplexidade com o sem número de programas na mídia.

Assim que foi libertado, o ex-presidente abordou com extrema preocupação, em debates internos do PT, o domínio dos evangélicos sobre as periferias – boa parte deles, hoje, alinhados com o presidente Jair Bolsonaro.

Lula pediu que o PT desse rapidamente prosseguimento a uma estratégia, iniciada em 2019, de instaurar núcleos de evangélicos progressistas, ligados ou não ao partido, em todos os 27 Estados do país. Em abril do ano passado, o PT promoveu o primeiro encontro de evangélicos progressistas. Agora, a direção do partido fará um novo encontro, que deve ocorrer em março, em São Paulo, com todos esses núcleos que já foram criados.

O PT quer fortalecer o diálogo com pastores de várias regiões. A sigla também prepara uma campanha específica para as redes sociais, com depoimentos de vários pastores que são filiados ou militantes de partidos de esquerda.

O objetivo central, ao disparar mensagens nas redes, é criar antídotos contra fake news que se disseminam entre fiéis evangélicos que ligam os partidos de esquerda ao comunismo, algo “maligno”. Outra intenção é falar dos elos entre caridade e política, e como a esquerda trabalha os conceitos de justiça social.

Em vários Estados, os núcleos evangélicos estão bem articulados. No Piauí, Estado governado pelo petista Wellington Dias, a primeira-dama do Estado e deputada federal, Rejane Dias, é vista como um exemplo a ser replicado pelo PT. Evangélica, Rejane promove um diálogo institucional positivo com várias igrejas sobre projetos sociais para a população em situação de vulnerabilidade. É neste território que o partido acha ser possível uma aproximação com setores específicos das igrejas, nas bases.

Apesar da iniciativa, há segmentos no PT que não veem possibilidade de essa atuação gerar resultados políticos positivos num curto e médio prazos. Os mais céticos veem poucas chances, inclusive, de elos mais próximos com setores pentecostais surtirem efeito para 2022. Em encontros com o PT, a convite do partido, o cientista social Edin Sued Abumanssur, professor da PUC-SP e líder do Grupo de Estudos do Protestantismo e Pentecostalismo (GEPP) da universidade, alertou a direção partidária sobre o equívoco da estratégia.

A constatação de Lula é que nem a esquerda nem a direita conseguem hoje, de fato, chegar às periferias. Mas Bolsonaro teria a vantagem de contar com o apoio crucial das cúpulas de igrejas neopentecostais, que já estiveram ao lado dos governos petistas anos atrás. Mas o PT vê espaços para disputar narrativas e não se acomodar com o avanço do bolsonarismo associado aos fiéis pentecostais. Em nota divulgada na semana passada, o “Núcleo Nacional de Evangélicos do PT” admite que “o fenômeno evangélico na atualidade encontra-se no epicentro da questão política”. O partido diz ter traçado estratégias “para contemplar parte dos grandes desafios apontados sobre a realidade” e fala da necessidade de ação “para fortalecer espaços de atuação e formação de evangélicas e evangélicos, filiadas, filiados e simpatizantes ao PT”.

“Acho estranha essa badalação porque o PT sempre teve núcleos. Nós, os petistas evangélicos, nos reunimos desde 1982, quando criamos o Movimento de Evangélicos Progressistas, a maioria do PT e do PDT. Lula não está pedindo para criar coisa nenhuma, ele está é dialogando”, protesta a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), desde 1972 uma fiel da Assembleia de Deus. “Não entendi esse negócio de agora todo mundo achando que o PT está afastado dos evangélicos. O [Fernando] Haddad teve 14 milhões de votos de evangélicos. Pelo amor de Deus!”, continua a parlamentar, que ajudou o PT a organizar, em 2018, um encontro de Haddad com evangélicos.

Referência no PT para a interlocução com evangélicos, Benedita reconhece, contudo, que boa parte dos eleitores pentecostais votou em Bolsonaro. “Ninguém nega isso”. O diálogo que o PT quer fazer, diz ela, não é com o “eleitorado evangélico”. “Queremos fazer uma discussão com os evangélicos, independentemente de quem votaram e em quem continuarão votando. O que queremos é discutir são as fake news contra o partido. Não fizeram lá o batizado do Bolsonaro lá no Rio Jordão? Nós não estamos nem aí. Só não queremos que falem um monte de mentira sobre o PT e a gente fique calado”.

Apesar de negar a ofensiva do PT, a deputada admite que Lula fez uma “análise de conjuntura” em que alertou sobre a necessidade de reaproximação do partido com vários segmentos, mulheres, moradores de rua, população LGTB, negros e, claro, os evangélicos. “Lula fez só um comentário, por conta de muita gente evangélica ter votado numa proposta que é contra tudo aquilo que os evangélicos têm pregado por aí, que é a solidariedade, os direitos humanos”, tentou explicar a deputada. A bíblia que fala do cuidado aos pobres, diz a petista, é a mesma “do pessoal que votou em Bolsonaro”. “Essas pessoas estão lendo pouco a bíblia.”

Os petistas mais céticos admitem, reservadamente, que a aproximação é complexa e de longo prazo. “Mas precisamos, ao menos, criar alguma confusão, mostrar que há pastores e líderes evangélicos petistas ou simpáticos ao PT”, explica um dirigente que atua em núcleos religiosos do partido.

Valor Econômico