Sem reajuste, tabela do IR força mais pobres a pagarem imposto
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Com o resultado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2019, uma alta de 4,31%, a defasagem da tabela do Imposto de Renda em relação à inflação chegou a 103% e superou a marca dos 100% pela primeira vez, segundo levantamento do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).
Entre 1996 e 2019, período considerado no estudo, a variação do IPCA somou 327,37%, muito superior aos reajustes realizados pelo governo nas faixas de cobrança do tributo, que ficaram em 109,63%. Isso gerou uma defasagem de 103,87% nos valores da tabela. O ano inicial do estudo é 1996 porque foi a partir de quando a tabela começou a ter os valores em reais.
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Nos últimos 23 anos, em apenas cinco as correções superaram a inflação: 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009. A última atualização nos valores da tabela foi feita em 2015.
Se fosse totalmente corrigida, a faixa de isenção do Imposto de Renda saltaria de R$ 1.903,98 para R$ 3.881,65, e cerca de 10 milhões de contribuintes deixariam de pagar o tributo, de acordo com o Sindifisco.
“Hoje, há cerca de dez milhões de contribuintes que são isentos de Imposto de Renda. Se houvesse a correção inflacionária da tabela, esse número passaria para quase 20 milhões. Ou seja, existem quase dez milhões de brasileiros que estão pagando Imposto de Renda e não deveriam”, diz Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional.
Esse descompasso afeta, sobretudo, os mais pobres, já que vai trazendo pessoas com salários cada vez menores para dentro da base de contribuição. Em 1996, a isenção do tributo beneficiava quem recebia até nove salários mínimos – relação que despencou para menos de dois em 2019.
O movimento também se deve, em parte, aos aumentos reais (acima da inflação) aplicados ao salário mínimo nos últimos anos. Isso porque, até 2019, a política de valorização do piso nacional previa reajuste pela inflação mais o crescimento do PIB de dois anos antes.
A defasagem também obriga a classe média a entregar uma fatia maior da renda aos cofres públicos.
Simulação realizada pelos auditores fiscais mostra que uma pessoa com renda tributável mensal de R$ 4 mil paga hoje R$ 263,87, mas recolheria apenas R$ 8,88 caso a tabela fosse totalmente corrigida. Ou seja, o montante pago é 2.873% superior. Já um trabalhador com renda mensal de R$ 10 mil tem um “prejuízo” menor: paga um tributo 92,3% maior do que deveria.
“É uma política tributária regressiva, que penaliza, principalmente, os contribuintes de mais baixa renda, na contramão do senso de justiça fiscal. E acaba aprofundando as desigualdades distributivas do país”, destacou Cabral.
Em maio do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro disse que reajustaria a tabela pela inflação de 2019. Em dezembro, durante encontro com a imprensa no Palácio do Alvorada, ele voltou a falar no assunto e, dessa vez, defendeu que o limite de isenção subisse para R$ 3 mil. Até agora, porém, nenhum anúncio foi feito.
A equipe econômica estuda incluir mudanças no tributo federal dentro da reforma tributária, que deve ser proposta nos próximos meses. Ela seria estruturada em três etapas, sendo que a última incluiria o aumento no limite de isenção e a limitação das deduções (como com saúde, educação e dependentes), bem como a volta da tributação sobre lucros e dividendos, extinta em 1996.
A correção da tabela do Imposto de Renda esbarra na grave crise fiscal do governo, que vem cortando despesas para tentar equilibrar o orçamento. As contas de 2019 devem fechar no vermelho pelo sexto ano seguido, mesmo com as receitas extras do megaleilão do petróleo. E a previsão para 2020 é de um novo rombo, na faixa de R$ 100 bilhões.
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, haveria espaço para um reajuste parcial da tabela do IR, com base apenas na inflação de 2019.
“A partir de agora, com a recuperação da economia e da arrecadação e a inflação continuando, como tudo indica, baixa, haverá um cenário propício para o governo começar a recuperar um pouco essa questão da tabela”, disse.