Trump semeou o inferno no Iraque
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A morte do mais alto comandante do setor de inteligência e das forças de segurança do Irã, o general Qassim Soleimani, nesta sexta-feira (03/01), deve fazer as tensões entre Irã e Estados Unidos se acirrarem e possivelmente se alastrarem pelo Oriente Médio. De início, porém, elas devem se concentrar no Iraque.
O veículo em que Soleimani se encontrava foi atingido por um drone americano nas imediações do aeroporto de Bagdá. Um apelo da embaixada dos EUA na capital iraquiana indica que em breve podem eclodir tensões no país: a representação diplomática instou todos os cidadãos americanos a deixarem o Iraque imediatamente, além de se manterem longe de seu prédio.
Para o especialista em Oriente Médio Sanam Vakil, do think tank baseado em Londres Chatham House, é difícil prever como o Irã reagirá à morte de Soleimani, que era líder da poderosa Força Quds da Guarda Revolucionária do Irã, responsável pelo serviço de inteligência e por conduzir operações militares secretas no exterior. Vakil afirma, no entanto, ser impossível Teerã não reagir à morte do general, ao mesmo tempo que deve sofrer uma série de consequências.
“Entre as possibilidades mais simples está a de deixar a situação escalar no Iraque”, afirma o analista, apontando que o vácuo de poder deixado no país após a renúncia do primeiro-ministro Adel Abdel Mahdi torna o cenário favorável a uma escalada.
Também o porta-voz para política externa do Partido Verde alemão, Omid Nouripour, prevê um aumento da violência na região. “A morte de Qassim Soleimani é um rápido tobogã em direção a uma grande escalada militar”, afirmou em comunicado à imprensa.
“Soleimani era não apenas o estrategista-chefe dos ataques iranianos no Oriente Médio – na Síria e no Iraque, por exemplo –, mas também o rosto da política de Teerã na região. A morte dele será entendida pelo lado iraniano como uma perda de prestígio e uma declaração americana de guerra”, disse o político alemão.
Segundo Vakil, as tensões podem vir a se espalhar para além do Iraque, já que Soleimani mantinha uma relação estreita com o Hisbolá, milícia xiita no Líbano patrocinada pelo Irã, e com seu chefe, Hassan Nasrallah. As conexões com o Hisbolá, assim como as com milícias no Iraque, serviram até então para que o Irã ampliasse sua influência no Oriente Médio de maneira não convencional e desestabilizadora.
“Portanto, não podemos descartar a possibilidade de o Irã também atacar navios no Golfo Pérsico e talvez até disparar mísseis contra um dos países do Golfo, o que já fez em setembro do ano passado”, diz Vakil.
O Irã também poderia se ver tentado a provocar um ataque contra Israel por meio do Hisbolá. “No clima atual, no entanto, o Hisbolá não deve estar disposto a isso. No momento a organização não quer se envolver em nenhum conflito militar direto com Israel. Por isso, uma escalada no Oriente Médio me parece bastante improvável”, explica o analista. “O mesmo vale para a Síria. Por isso, para o Irã talvez pareça fazer mais sentido se concentrar no Iraque.”
A morte do general Soleimani também pode ser um indício de que o governo dos Estados Unidos está reavaliando sua política de pouco envolvimento no Oriente Médio. Jornais árabes já manifestaram tal suposição por ocasião do ataque à milícia xiita Kataib Hisbolá, no fim de 2019.
“Desde que se retiraram do país, os americanos viam o Iraque como pouco mais do que um Estado fracassado”, escreveu o jornal Al-Quds al-araby. Agora Washington parece querer mostrar uma presença mais forte novamente: “No entanto, no confronto com o Irã mostra que a retirada tem potencial de desestabilizar ainda mais a situação no Iraque.”
O diário iraquiano Kitabat também sugere que o Iraque possa ser o primeiro a sofrer com a nova escalada das tensões entre Irã e EUA o Irã, tornando-se palco de uma espécie de guerra por procuração. “A escalada irano-americana entra numa nova rodada, e mais uma vez ela se desenrola em solo iraquiano”, descreve o periódico, apontando que ambos os envolvidos têm um objetivo comum: “Ambos querem manter o Estado iraquiano fraco.”
Em 29 de dezembro, os EUA dispararam contra a Kataib Hisbolá no Iraque, matando cerca de 30 de seus combatentes. A milícia é patrocinada pelo Irã, assim como o Hisbolá. O ataque americano pode agora servir aos interesses sobretudo do regime em Teerã, aponta o Kitabat: “Os grupos de milícias associados ao regime em Teerã vão aproveitar o caos para alcançar seus próprios objetivos”, e Bagdá terá que fazer todo o possível para se opor a tal influência, segundo o jornal.