Com Bolsonaro, feminicídio explode no Brasil

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Foto: Reprodução

Espancamento, estrangulamento, uso de machado, pedra, pau, martelo, foice, canivete, marreta, tesoura, facão, enxada, barra de ferro, garfo, chave de fenda, bastão de beisebol, armas de fogo, mas, em especial, facas.

Consolidação inédita dos dados de 2019 mostra que a estatística do feminicídio trilhou a contramão dos demais crimes violentos e cresceu 7,2% no país, com expansão expressiva em alguns estados.

A Folha consultou as 27 unidades da federação e obteve dados que atestam a morte de 1.310 mulheres no ano passado vítimas de violência doméstica ou por sua condição de gênero.

Em 2018, foram 1.222. Ou seja, de acordo com os registros oficiais, de três a quatro são assassinadas em média a cada dia no Brasil, na maioria dos casos por companheiros e ex-companheiros.

O ainda deficiente enquadramento dos casos pelas autoridades em alguns lugares, porém, pode estar escondendo um quadro bem pior.

Na quarta-feira (19), quando foi encerrada a apuração de dados desta reportagem, houve pelo menos sete assassinatos de mulheres com indicativos de feminicídio, além da localização de um oitavo corpo cujo caso também se enquadra nesse tipo de crime.

Na madrugada do dia 19, a Polícia Militar de Minas localizou em Contagem o corpo de Tatiane Paula de Aquino, 39, dentro de sua casa, com sinais de ferimentos na cabeça. Ela era mãe de cinco filhos.

Já pela manhã, a polícia de São Paulo encontrou na zona oeste da cidade a comerciante Beatriz de Espíndola Fermino Calado, 32, sobre a sua cama, morta com facadas no rosto e nas costas.

Por volta das 15h foi a vez de a polícia de Rondônia encontrar em Ariquemes o corpo de Franciele Oliveira, 32, também sobre a cama, com sinais de pancadas na cabeça.

Praticamente no mesmo horário, a comerciária Adriana Aparecida da Silva, 42, foi derrubada de sua moto, perseguida e esfaqueada no meio da rua, em Jundiaí (SP).

Cerca de duas horas depois, a diretora de uma escola estadual de Florianópolis, Elenir de Siqueira Fontão, 49, foi encurralada no banheiro do local de trabalho e morta a facadas.

À noite Nilcilene Souza, 41, foi assassinada, também a facadas, em sua casa, em Canaã dos Carajás (PA).

A 1.730 km dali, Luana Xavier, 17, foi morta a facadas e deixada no chão da casa onde morava, nos fundos de um bar em Patos (PB).

A família afirma que ela estava grávida. Os policiais encontraram ao lado do corpo o filho dela de um ano, chorando, sujo com o sangue da mãe.

Em todos os casos, os suspeitos são companheiros e ex-companheiros, com exceção de Jundiaí, onde o homem apontado como autor teria tentado flertar com a vítima, sem sucesso. Ele morreu linchado na cena do crime.

O feminicídio virou qualificador do homicídio em 2015 —elevando a punição de 6 a 20 anos para 12 a 30 anos.

Os números mostram que em 2019 houve aumento de mais de 30% nos registros em São Paulo, Santa Catarina, Alagoas, Bahia, Roraima, Amazonas e Amapá. Só na região Norte houve recuo.

Em números absolutos, São Paulo (182), Minas Gerais (136), Bahia (101) e Rio Grande do Sul (100) registraram o maior número de casos.

De acordo com dados consolidados pelo Ministério da Justiça, que não trata ainda o feminicídio de forma separada, de janeiro a setembro de 2019 houve redução de 22% nos homicídios dolosos e latrocínios, tendência de queda já verificada desde 2018.

Diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno afirma que, apesar de parte do crescimento no registro do feminicídio possa estar associado a uma maior capacitação das autoridades na tipificação do crime, o acompanhamento dos dados detalhados mostra que há crescimento real.

“Em 2018, quando já havia redução dos crimes violentos no país, havia um aumento dos estupros e da lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica. Então, se as mulheres estão apanhando mais em decorrência de violência doméstica, é provável que elas estejam morrendo mais em decorrência de violência doméstica”, afirma.

Em sua visão, uma das possíveis explicações para o fenômeno está na reação à conscientização por parte das mulheres e ao avanço da legislação penal —Lei Maria da Penha (2006), endurecimento da legislação de estupro (2009), Lei do Feminicídio (2015) e Lei da Importunação Sexual (2018).

No estudo Raio-X do Feminicídio em São Paulo, coordenado pela promotora de Justiça Valéria Diez Scarance Fernandes, concluiu-se que o crime é praticado, em regra, por alguém do convívio da mulher; a motivação costuma ser ciúme, separação ou pedido de rompimento não aceito.

“O agressor usa instrumentos ‘caseiros’ como facas, ferramentas, materiais de construção ou suas mãos, o que estiver ao seu alcance, para agredir e matar. Além disso, usa esses instrumentos com voracidade e repetição de golpes, como se pretendesse destruir a mulher”, diz o estudo.

A Folha consultou a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sobre o que o governo tem feito ou planejado para enfrentar o problema, mas não houve resposta. O ministro da Justiça, Sergio Moro, tem cobrado dos estados informações específicas sobre feminicídio.

O governo do Amazonas, que registrou o maior crescimento proporcional nos registros (200%, de 4 para 12), afirmou que em 2019 a Secretaria de Segurança Pública passou a monitorar mais rigorosamente casos para fins estatísticos.

O Ceará afirmou que o índice de resolubilidade dos feminicídios é maior do que o dos homicídios em geral.

O governo de Santa Catarina diz estar atento e manter programas com o objetivo de reduzir a violência contra a mulher, que já estariam dando resultados em 2020.

O governo de São Paulo enviou informações da plataforma SOS Mulher. “Lançada em 7 de agosto de 2019, já recebeu mais de 14 mil visitas e tem como foco apoiar mulheres em situação de vulnerabilidade.

Redação com Folha