Edital de Weintraub prevê 3 milhões de kits de empresas acusadas de corrupção

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou, nesta segunda-feira, 9, que a Corte apure indícios de irregularidades no edital do Ministério da Educação que pretende adquirir mais de 3 milhões de kits escolares. Na representação encaminhada aos ministros, o subprocurador-geral Lucas Furtado alerta os prefeitos e demais entes públicos a não destinarem recursos para essa finalidade, uma vez que “estarão adquirindo materiais a serem fornecidos por empresas acusadas de corrupção”.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, divulgou pelo menos quatro vídeos nas suas redes sociais pedindo que prefeitos cobrem dos deputados federais a destinação de emendas parlamentares para a compra dos kits, que contém lápis, caneta, borracha, giz de cera, entre outros materiais escolares. O volume da compra pode chegar a R$ 406 milhões.

Na última sexta-feira, o Estado revelou que, mesmo tendo sido alertada de que a Brink Mobil e seu proprietário, Valdemar Abila, são acusados de envolvimento em um esquema que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba, a diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação (FNDE) decidiu prosseguir com a contratação da empresa.

A Brink foi alvo da Polícia Federal e do Ministério Público da Paraíba no âmbito da operação Calvário II, que prendeu o ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho. Delatores contaram à PF que Valdemar mandava propina de Curitiba (PR) para a Paraíba usando aviões fretados.

Após a publicação da reportagem, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi ao Twitter dizer que não poderia excluir a empresa do negócio sob risco de cometer crime. “A empresa ganhou a licitação e não estava condenada, não tenho como excluí-la (eu estaria cometendo um crime).” O MEC, por sua vez, afirmou que o processo para a compra dos kits respeitou a legislação em todas as fases.

Na representação entregue ao TCU, o Ministério Público oferece um argumento contrário ao do ministro. Alega que a decisão do MEC e do FNDE de prosseguirem com a formalização da ata com as empresas investigadas desatende princípios constitucionais da administração pública e colocam em risco a vantagem da contratação.

O subprocurador-geral do MP, Lucas Furtado, ressalta na representação que não é incomum o cancelamento de licitações após a verificação, por parte de autoridades, de suspeitas de irregularidades no passado de uma empresa. “Mesmo que ela ainda não tenha sido alvo de condenação”, destaca Furtado na peça.

“Essa prudência busca preservar a observância do princípio da moralidade na administração pública, princípio esse expressamente replicado nas regras que devem ser observadas nas licitações e contratações pela Administração. Procura-se, com essa prudência, certificar-se que a proposta mais vantajosa foi a escolhida”, acrescenta.

O MP evoca, na solicitação de investigação, o artigo 37 da Constituição Federal. O trecho diz que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

“Ora, numa situação de investigação criminal pesando sobre empresas chamadas a subscrever ata de registro de preços com valores na casa das centenas de milhões de reais e para fornecimento de bens essenciais para o regular desenvolvimento da educação de crianças e adolescentes, não é difícil divisar o risco envolvido, ao ponto de ser fortemente questionado se a melhor condição de compra foi observada pelo MEC e FNDE”, argumenta.

Na representação, o MP de contas ressalta que, além das investigações tocadas pela PF e o MP, a empresa também foi denunciada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por formação de cartel.

Também nesta segunda-feira, o Movimento Brasil Livre (MBL) anunciou que está entrando, por meio de seus advogados, com uma ação popular contra o Ministério da Educação por causa do contrato fechado com a Brink Mobil. A decisão foi tomada após o Estado revelar que o FNDE contratou a empresa acusada de pagamento de propina.

Por meio de nota, a empresa paranaense Brink Mobil disse que há mais de 30 anos cria, desenvolve e vende produtos educacionais que não tem impedimento de participar de concorrências públicas em todo o território nacional por nunca ter sido condenada judicial ou administrativamente.

“Em relação ao citado envolvimento em possíveis irregularidades no Estado da Paraíba, reitera que, desde o primeiro momento está à disposição da Justiça, mas que não responde a nenhuma acusação de superfaturamento ou fraude naquele estado”, disse e nota.

A Brink Mobil informa ainda o edital no FNDE foi vencido em Consórcio com mais duas empresas, onde a Brink Mobil tem 40%, a Conesul 30% e a Ataka Brasil mais 30%. Neste caso, o FNDE não comprou o material licitado, explica: “São as prefeituras que fazem a adesão ao pregão eletrônico, salvo em poucos casos, nos quais pode ter mínima participação de recursos do Fundo mediante convênio. Não há nenhuma irregularidade e nem tão pouco impedimento da Brink Mobil em continuar fornecendo recursos educacionais de excelência”. Procurado, o MEC não respondeu aos questionamentos da reportagem.

O dono da Brink Mobil, Valdemar Ábila, chegou a ser preso no fim do ano passado na segunda fase da Operação Calvário, da Polícia Federal. No mesmo dia, os policiais também detiveram o ex-governador Ricardo Coutinho. Os dois foram denunciados em dezembro pelo Ministério Público da Paraíba, ao lado de outras 33 pessoas, que incluem agentes públicos, empresários e operadores financeiros. Não houve condenação. A empresa do ramo educacional é acusada de pagar propina correspondente a até 30% dos contratos que obtinha com o governo paraibano.

Esta não é a primeira vez que a empresa se envolve em suspeitas de irregularidades. O próprio FNDE já havia contratado a Brink Mobil para fornecer material escolar para a prefeitura de Madalena, no Ceará, em 2012. Segundo um relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União, de 2015, obtido pelo Estado, auditores do órgão visitaram as escolas do município e não encontraram equipamentos. No relatório, o órgão de controle concluiu que “a aplicação dos recursos federais não está adequada” e exigiram “providências de regularização por parte dos gestores federais”.

Estadão