Malafaia busca “conforto espiritual”… no BNDES

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Foto: Reprodução

Empresário, ele tem mais de cem funcionários numa editora. Em outra atividade, no competitivo mercado da fé, pelo qual é mais conhecido, sua folha de pagamentos reúne mais de 300 empregados. São serventes, vigias, pessoal da área de administração, manutenção, engenharia. Sua preocupação é com as medidas de restrição e o confinamento que impede a população de circular e fazer a roda da economia girar. O novo coronavírus ameaça seus negócios. “No dia 22 de março, consegui. Mas quero ver como vou pagar meus funcionários no dia 5 de abril. Se continuar assim não vou ter dinheiro”, afirma. Na conta do líder religioso Silas Malafaia, 61 anos, um dos maiores influenciadores políticos no meio evangélico, ainda ficam de fora cerca de 600 pastores, que o ajudam a conduzir o rebanho de mais de 100 mil fiéis das 140 igrejas da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, espalhadas por nove Estados do país.

Nos últimos dias, conta Malafaia, têm acorrido ao seu megatemplo no bairro da Penha, no Rio, com capacidade para 6.580 pessoas, “muita gente apavorada”, com depressão, querendo o suicídio, com medo das consequências da pandemia da covid-19. O pastor também tem sua angústia. Nessa semana, uma diretora da Central Gospel, sua editora fundada há 20 anos, tentou sem sucesso obter informação no site do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para uma linha de capital de giro. “Ontem, foi o dia inteiro só rodando, ninguém consegue ligar, para ver se entra [no site], saber o que o BNDES pode emprestar. O sistema está sobrecarregado. Não tem saída. Se esse confinamento continuar por mais 15, 20 dias, vamos ter um problema sério. Não vai ter dinheiro para pagar funcionário em abril”, queixa-se.

Um dos maiores apoiadores de Jair Bolsonaro, Malafaia tem defendido as posições do presidente, que já chamou a covid-19 de “gripezinha” e fez pronunciamento em rádio e TV, pedindo o fim das medidas de restrição e volta à “normalidade”. Ontem, o pastor teve sua demanda atendida ao ver Bolsonaro permitir o funcionamento normal de igrejas, apesar das recomendações médicas de que não haja aglomerações. O decreto classificou as atividades nos templos religiosos como “serviços essenciais”, assim como as casas lotéricas. “Sei muito bem o que estou fazendo. Igreja é um hospital. Tem que estar com porta aberta. A Itália, no maior fuzuê, fecharam igreja no primeiro momento e depois abriram, porque é um socorro espiritual para as pessoas”, diz.

Sem o decreto, Malafaia teve alguns entreveros nos últimos dias. Um prefeito, conta, chegou a uma de suas igrejas, no Paraná, com a polícia. Sua ordem foi para que não deixassem entrar. “Lugar do culto é inviolável”, defende. No Rio, o Ministério Público fluminense ajuizou uma ação civil pública para que os cultos de suas igrejas no Estado fossem suspensos. No fim de semana, teve uma altercação pelas redes sociais com a pastora e cantora gospel Ana Paula Valadão, uma das líderes da Igreja Batista da Lagoinha – a mesma da ministra Damares Alves. Em um vídeo divulgado no Facebook, onde tem 3,3 milhões de seguidores, Ana Paula criticou Malafaia por querer manter a atividade da igreja em meio à epidemia e apelou a uma “fé racional”. Sugeriu que o pastor põe em primeiro lugar a “arrecadação financeira”. “Não é por causa do dinheiro, até porque hoje tem tecnologia para receber as ofertas”, rebate o pastor.

Mesmo assim, Malafaia está preocupado com a situação financeira e como pagará os funcionários no dia 5. No meio do ano passado, seus advogados já haviam pedido recuperação judicial para a editora, por causa de dívidas que somavam quase R$ 16 milhões. Ao defender o fim do confinamento da população, o pastor afirma que, se a quarentena não for suspensa em 15 ou 20 dias, o país entrará em convulsão social. “Noventa por cento da população brasileira ganha até três salários mínimos. Na hora em que começar a faltar comida, e peço a Deus que isso não aconteça, vamos ter um problema social grave. O que é pior: coronavírus ou convulsão social?”, diz.

No mercado da fé, porém, a epidemia também tem representado oportunidade de atrair novos rebanhos. Questionado sobre o perfil de quem o tem procurado, afirma: “Não são fiéis. O que aparece aqui são pessoas, desesperadas, que não têm nada a ver com a minha igreja. E eu tenho que estar aqui. Tenho que orar. Pastor é igual a médico.”

Valor Econômico