Relatório sobre direitos humanos causa conflito entre Colômbia e ONU

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Foto: RAUL ARBOLEDA / AFP

A divulgação de um novo informe sobre a situação dos direitos humanos na Colômbia, na última quarta-feira, fez aumentar a já alta tensão entre o governo do conservador Iván Duque e as Nações Unidas. Segundo o documento, apresentado em Genebra, na Suíça, pelo relator Michel Forst, a Colômbia “continua sendo o país da América Latina, onde mais defensores de direitos humanos são assassinados”. Na semana passada, um primeiro relatório, apresentado pela alta comissária de Direitos Humanos Michelle Bachelet, fez estremecer as relações entre o governo e a ONU.

A ala mais radical da direita, agrupada em torno do ex-presidente Álvaro Uribe, chegou a pedir a expulsão dos funcionários do Alto Comissariado, e Forst denunciou que o governo o proibiu de entrar no país para finalizar o documento.

— Queriam apagar por completo meu relatório — denunciou o relator no fim de semana, dias antes da apresentação do texto.

Segundo o documento, líderes sociais “que defendem os direitos humanos nas áreas rurais, em particular o acordo de paz [com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, assinado em 2016], a terra, os direitos dos povos étnicos e o meio ambiente” são os mais perseguidos. Ele ainda acusa líderes políticos e funcionários públicos, entre outros, de estigmatizar ativistas, tratando-os como guerrilheiros e terroristas.

Um outro relatório divulgado na quarta-feira pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) também alertou que a “a situação humanitária na Colômbia se deteriorou”.

— Nossas equipes documentaram no ano passado 987 violações do Direito Internacional Humanitário (DIH) e outros padrões humanitários. A maioria foi de atos graves, como ameaças, homicídios, atos de violência sexual e recrutamento de menores. A população civil continua a sofrer as piores consequências do conflito e da violência armada e, em muitas ocasiões, as vítimas permanecem caladas por medo de represálias — disse Christoph Harnisch, chefe da delegação do CICR no país.

Assim que o primeiro relatório da ONU foi divulgado, Duque o classificou como “uma intromissão na soberania da Colômbia”. Num ato coordenado de resposta, seu ministro da Defesa e o encarregado da área de Estabilização e Legalidade criticaram o relatório ao tachá-lo de “impreciso” e “descuidado” e acusá-lo de “extrapolar o mandato assinado pelo governo com o Alto Comissariado de Direitos Humanos”.

Os membros do partido de Duque se uniram às críticas.

— O presidente deveria rever a relação da Colômbia com a ONU e fechar esse escritório da alta comissária de Direitos Humanos, transformada em guarida politiqueira com viés ideológico passional. Aqui temos Ministério Público, Defensoria do Povo e Conselho de Direitos Humanos — afirmou Ernesto Macías, ex-presidente do Senado.

Seu pedido se espalhou nas redes sociais, onde uribistas promovem a hashtag #ONUforadaColômbia. O ex-presidente, por sua vez, afirmou que o relatório é “injusto” e que “sem se propor a isso, estimula a ação dos assassinos”.

Veja também:’Com o fim do conflito com as Farc, outros problemas ficaram evidentes na Colômbia’, diz pesquisadora

O documento apresentado por Bachelet na semana passada traça um brutal panorama da situação de direitos humanos durante 2019, em que se evidencia o retorno de práticas como as chacinas ―36, maior cifra desde 2014—, bem como o assassinato de líderes sociais e a suposta participação de membros das forças militares em ações ilegais, como torturas. Mas, além disso, recomenda uma reforma do Esquadrão Móvel Antimotins (ESMAD), e que a supervisão dessa força de choque passe da polícia para o Ministério do Interior. Este último foi um dos pontos que mais incomodaram Duque.

— Isso cabe às autoridades colombianas no marco da institucionalidade colombiana — disse o mandatário, que no domingo tentava reduzir a tensão. — Mantemos uma relação respeitosa com a ONU, e além disso voltada para os projetos na Colômbia.

As novas conclusões do relatório de Forst vêm à público apenas um dia depois que a ministra do Interior, Alicia Arango, representante dos setores mais próximos do uribismo, desencadeou uma nova polêmica ao afirmar que na Colômbia “mais pessoas morrem por roubo de celular do que por serem defensores dos direitos humanos”. Ao todo, 323 defensores dos direitos humanos foram mortos nos três anos desde a assinatura do acordo de paz com as Farc, segundo o documento.

Pelo menos trinta defensores de direitos humanos foram mortos entre janeiro e fevereiro e, até agora este ano, o Alto Comissariado da ONU recebeu 40 denúncias por assassinatos contra líderes sociais. Na tarde de quarta-feira, por exemplo, um segurança de Leyner Palacios, um renomado líder social, foi morto em Cali.

A desmobilização da extinta guerrilha, hoje desarmada e transformada em partido político, não levou a presença integral do Estado às áreas que antes estavam sob seu controle. Em muitas regiões, grupos armados ilegais — incluindo os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacinoal, dissidentes que se afastaram do processo de paz ou quadrilhas de traficantes — preencheram o vazio.

Esta não é a única frente aberta na disputa com as agências da ONU. Há poucos dias, o governo cancelou um convênio de assessoria técnica com o Escritório das Nações Unidas para a Droga e o Delito (UNODC) voltado para a substituição de cultivos ilícitos, o que, de acordo com seu ex-diretor, demonstra “o desprezo” pela decisão de camponeses de participarem voluntariamente da erradicação das plantações de coca.

— Em vez de confrontar o relator, o governo deveria definir suas recomendações, como reafirmar seu compromisso com o acordo de paz, priorizar sua implementação, fornecer os recursos necessários e fortalecer mecanismos de proteção aos defensores — disse Gustavo Gallón, da Comissão de Juristas da Colômbia.

O Globo