Fiesp reconhece que economias terão mais Estado

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Foto: Karim Kahan/Fiesp

Uma das consequências da pandemia de covid-19 será a volta dos Estados nacionais nas respectivas economias, incluindo no Brasil, e um fim precoce à experimentação neoliberal em curso no país.

A avaliação é de Thomaz Zanotto, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), apontando efeitos transformadores que já vinham se desdobrando desde a crise de 2008 e podem se consolidar com a crise atual.

Esse é um debate que prospera em várias partes do mundo. Na França, nesta semana, o presidente Emmanuel Macron afirmou que será necessário reconstruir ”uma independência agrícola, sanitária, industrial e tecnológica francesa e mais autonomia estratégica para nossa Europa”.

Para Zanotto, é dificil fazer previsão em plena tempestade, mas algumas consequências da pandemia parecem claras.

“Em primeiro lugar, haverá um retorno da influência dos Estados nacionais nas respectivas economias, até para acelerar o processo de retomada econômica e geração de empregos pós crise. E, no Brasil, isso não será diverso”, afirmou.

Para o executivo, haverá o retorno e/ou consolidação de políticas industriais, sobretudo em países e regiões com mercados internos grandes, como é o caso dos EUA, da União Europeia e do Brasil, entre outros.

Ao seu ver, esses países vão ter que pensar, e quanto mais rápido melhor, em definir e implementar cadeias de suprimentos consideradas essenciais, além de buscarem maior independência possível de fatores externos sobre os quais não tem controle.

“Entendo que, aqui no Brasil, independentemente da polarização política, o que vejo seja talvez um fim precoce de uma experimentação neoliberal que fazia mais sentido em uma economia global em expansão”, afirmou Zanotto.

Para ele, “não há dúvida de que, os empresários sozinhos não vão conseguir sair dessa recessão e gerar os empregos e a criação de valor necessários na rapidez requerida”.

Significa analisar todas as cadeias industriais e a robustez, resiliência e redundância (ter mais de um fornecedor) do sistema produtivo nacional. “Tudo isso será independente de quem estiver no poder”, disse.

Zanotto acredita que uma próxima pandemia não é que questão de se, mas de quando. “Isso tudo levará as populações e os setores produtivos a procurar em seus governos nacionais a segurança necessária para compensar a fragilidade das atuais cadeias globais de valor”, acrescentou.

“Ficou claro nessa crise que, em caso de emergência, são os governos nacionais que acabam sendo os responsáveis pelas medidas de mitigação, contenção e correção dos danos”, acrescenta.

Ele notou que, se ocorre um tsunami no leste da Ásia, toda uma cadeia de produção é afetada. “E o Brasil, dadas as suas características únicas, é um dos poucos países que têm condições de minimizar esse problema”, disse.

O diretor da Fiesp destaca, em segundo lugar, tendência que já estava em curso, que é o processo global de “reshoring” (volta da produção aos locais de onde havia sido retirada). Ou seja, volta da manufatura para perto de onde o produto será consumido, gerando mais empregos localmente.

“Esse processo será fundamental, sobretudo em cadeias de suprimento estratégicas, como medicamentos e equipamentos médicos/hospitalares, defesa e segurança”, disse ele.

Ao seu ver, a indústria de defesa, por exemplo, poderia ser importante vetor de desenvolvimento tecnológico, dado o intenso conteúdo de tecnologia de ponta de uso dual (militar e civil) envolvido.

Zanotto observa que, no Brasil, um setor produtivo que anda muito bem é o agronegócio, e outro, o manufatureiro, precisa ser relançado. Para ele, isso significa a aprovação e implementação urgente das reformas estruturais em curso e a estruturação de uma política industrial como tem as sete maiores economias do planeta.

“Entendo que essa aprovação célere seja uma demanda expressa de forma clara pela população e que sua demora seja inaceitável”, observou.

Em terceiro lugar, Zanotto considera que deverá se acelerar a reforma de organizações supranacionais, a maioria criada no fim da Segunda Grande Guerra e que “terão sua atuação e abrangência redimensionadas para dar espaço às políticas nacionais acima”, afirmou.

A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e, após a atual debacle, a Organização Mundial da Saúde (OMS), são três exemplos.

Valor Econômico