Testes com hidroxicloroquina vão duras 2 meses

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Foto: Getty

Apesar do discurso otimista do presidente Jair Bolsonaro sobre o uso da hidroxicloroquina para combater a covid-19, o médico Luciano Cesar Pontes de Azevedo alerta que “ainda é cedo” para qualquer conclusão.

Azevedo, que integra a coordenação da pesquisa feita pelos hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein e Hospital do Coraçãosobre o medicamento no Brasil, avalia que vai demorar ao menos dois meses para sair o resultado final do estudo. Nada está confirmado até agora.

O que é comprovado até agora sobre o uso da hidroxicloroqui na no combate à covid-19?

O que dá para afirmar é que existem estudos ‘in vitro’. Quando você coloca a hidroxicloroquina em uma placa com coronavírus, ela tem um efeito antiviral, inibe o crescimento do vírus ou o elimina. O problema é que o organismo humano é muito maior e mais complexo do que uma placa de laboratório. Na medicina, tem muito exemplo de medicamento benéfico in vitro, mas que não foi benéfico em pessoas.

Mas há estudos que mostram o efeito benéfico da hidroxicloroquina?

Têm saído alguns trabalhos ainda muito limitados, do ponto de vista de metodologia científica, que sugerem o efeito benéfico. Mas são estudos pequenos, com número limitado de pacientes e, do ponto de vista do planejamento do próprio estudo, há muitas falhas. Entendo que, num cenário como hoje, com uma doença que está matando muita gente e não tem tratamento específico, as pessoas queiram se apegar a tratamentos que não têm a eficácia comprovada. Esse é o caso da hidroxicloroquina.

O que o senhor pensa sobre o uso desse remédio?

Não é um medicamento isento de efeitos colaterais. Pode causar arritmia cardíaca, problemas de visão, convulsão. Nossos medos são dois: administrar um remédio que é inútil, ou seja, não tem efeito, e dar um medicamento que cause mais prejuízo do que benefício ao paciente.

O que já dá para dizer sobre os estudos que estão conduzindo?

Ainda é muito cedo. Estimo que vai demorar pelo menos dois meses para definirmos o resultado. São 1.400 pacientes em testes, em 70 hospitais de todas as regiões do Brasil.

Como avalia o discurso de líderes como DonaldTrump e Jair Bolsonaro, sobre a cloroquina?

Precisamos tomar cuidado porque, quando a gente não tem a evidência clara de que o medicamento funciona, dizer que ele é efetivo pode estimular a automedicação. Corremos o risco também de as pessoas interpretarem erroneamente e tomarem o remédio para evitar a doença. Se funcionar, o medicamento vai ser útil para quem já tem a doença, e não como prevenção.

Sírio e Einstein já tiveram 450 profissionais afastados por causa da covid-19. Vai faltar gente para trabalhar nos hospitais?

Quando aumentarem muito as demandas no sistema de saúde, é bem provável que haja falta de profissionais para cuidar dos pacientes. O mundo está enfrentando isso. Vi um comunicado dizendo que os hospitais de Nova York precisam desesperadamente de profissionais porque não têm mais para atender a demanda. Isso deve acontecer no Brasil.

Em quanto tempo?

Éd ifícil de estimar, mas o pico da epidemia deve ser no final de abril, maio, por aí. As medidas de isolamento social devem ter ajudado a segurar. O principal propósito delas é diminuir os picos de casos no sistema de saúde e, consequentemente, melhorar sua capacidade para atender os pacientes. Os mais graves ficam muito tempo na UTI, de duas a três semanas ocupando aquele leito. Como não tem rotatividade, só acumula pacientes.

O ministro Mandetta afirmou que, em 48 horas, vai apresentar resultados positivos sobre a hidroxicloroquina.

Preciso esperar essa apresentação do ministro da Saúde antes de comentar. Minha opinião como pesquisador é que qualquer apresentação que seja feita precisa ser baseada em um estudo científico. Não adianta mostrar cinco pacientes e dizer que eles melhoraram porque tomaram o remédio. Quem garante que eles não iam melhorar mesmo sem o medicamento? Por isso precisamos das pesquisas.

O Globo