Juristas veem crime no vídeo de Bolsonaro

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

Se for provado que o presidente Jair Bolsonaro quis trocar o comando da Polícia Federal para evitar que familiares sejam prejudicados, pode-se ter elementos suficientes para caracterização de crime. Segundo juristas, no entanto, a frase que teria sido dita em reunião ministerial do dia 22 de abril, isoladamente, não representa prova definitiva de ato ilegal.

Para o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, a suposta fala de Bolsonaro somada à “preocupação excessiva com a CPI das “fake news”, com o depoimento do porteiro onde vive a família dele no Rio no caso Marielle e a influência que os filhos dele têm no chamado gabinete do ódio indicam que “evidentemente o presidente tenta proteger a sua família de investigações criminais”. Segundo Dipp, o conjunto desses indícios com depoimento de testemunhas podem caracterizar obstrução de justiça, prevaricação, falta de decoro e tentativa de corrupção ativa.

Dipp compara que na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não houve nenhuma prova direta. “O conjunto indiciário é um meio de prova. São indícios pré-existentes que podem levar a um processo como: Lula visitou o apartamento, era amigo do dono da empresa, a dona Marisa [esposa de Lula na época] queria fazer uma obra ali”, contextualiza o ex-ministro. A condenação de Lula foi confirmada nas três instâncias da Justiça.

Professor de direito constitucional e de direitos humanos da Escola Superior da Advocacia, Flávio Bastos também entende que é preciso olhar sob as duas perspectivas – o que o presidente disse e a forma como ele agiu. O crime de responsabilidade, praticado em razão do exercício do cargo, está previsto no artigo 85 da Constituição Federal e é detalhado pela Lei nº 1.079, de 1950, a chamada Lei do Impeachment.

“Ele dizer, somente, não significa ainda uma situação consumada que levaria à caracterização de um crime de responsabilidade. Mas se tiver adotado um ato efetivo e comprovado, por exemplo, mudar um diretor da Polícia Federal para que a investigação não chegue ao seu filho, estará cabalmente comprovado. Pela Lei 1.079 conjugada com o artigo 85 da Constituição Federal, em tese, ele teria praticado crime de responsabilidade para, por exemplo, obter benefícios pessoais”, afirma o professor.

Flávio Bastos ressalta, no entanto, que o impeachment – que seria o ápice desse processo – requer não apenas o preenchimento de requisitos jurídicos. “Requer também o preenchimento de requisitos políticos. E a decisão de desencadear o processo de impeachment cabe ao presidente da Câmara dos Deputados”, frisa.

Oscar Vilhena, professor de Direito Constitucional da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), também entende que, se confirmada a informação, o presidente Jair Bolsonaro pode ter incorrido em crime de responsabilidade, “tal como descrito pelo artigo 9º da Lei nº 1.079”.

Para o professor de direito administrativo da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Justino de Oliveira, os diálogos da reunião ministerial deixam Bolsonaro numa situação ainda mais complicada para sobreviver ao mandato. “Agora é uma escalada”, diz, ao lembrar que vai se formando um “conjunto da obra” de investigações comprometedoras no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), que inclui os inquéritos sobre a disseminação de “fake news” e sobre as manifestações antidemocráticas apoiadas por Bolsonaro. Para o professor, o conteúdo do vídeo tem grande potencial para que o decano da Corte, Celso de Mello, relator do caso e “conhecido por ser extremamente técnico”, recomende a abertura de processo que pode levar à cassação.

Oliveira afirma que há caracterização de crime de responsabilidade por quebra de decoro – o que justificaria a abertura de impeachment, com julgamento pelo Senado – e dois crimes comuns, obstrução de Justiça e advocacia administrativa, cujo julgamento ocorre no STF, depois de apresentação de denúncia da Procuradoria-Geral da República e da admissão por pelo menos dois terços da Câmara.

Para o professor da USP, o enquadramento do crime de obstrução de Justiça é mais polêmico. Por um lado, diz, Bolsonaro não conseguiu nomear Alexandre Ramagem, seu preferido à direção-geral da PF, o que foi impedido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, justamente por causa das denúncias de Moro. Por outro lado, o presidente efetivamente trocou o superintendente do Rio, após a exoneração do ex-ministro da Justiça.

Quanto ao crime de advocacia administrativa, que se baseia em defender o interesse de terceiros utilizando-se do cargo público, Oliveira afirma que está configurado. “Estamos todos estupefatos. Como cidadão, a gente torcia para que não fosse grave. É muito grave, pela fala não só dele, como a de outros integrantes do governo”, diz.

Valor Econômico