Procurador contradiz Bolsonaro e pede arquivamento
O Ministério Público Federal não viu crime no despacho de um delegado da Polícia Federal no Rio de Janeiro que foi um dos pivôs da crise entre a corporação e o presidente Jair Bolsonaro iniciada em agosto do ano passado.
A Procuradoria solicitou em fevereiro o arquivamento do inquérito que apurava a inclusão do nome do deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), amigo do presidente, numa investigação sobre crimes previdenciários. O caso, sob sigilo, foi devolvido pela Justiça à PF.
O ex-ministro da Justiça Sergio Moro pediu na ocasião apuração sobre o episódio, dizendo haver suspeita de que o responsável pelo inquérito tenha colocado o nome do deputado de forma proposital para desgastar o então superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, com o presidente.
A inclusão do nome do deputado, amigo de Bolsonaro, foi um dos motivos da tentativa de interferência do presidente na Superintendência do Rio de Janeiro em agosto do ano passado. Duas semanas após o despacho do delegado Leonardo Tavares, Bolsonaro afirmou que iria tirar Saadi do cargo. Na ocasião, atribuiu a decisão à produtividade da superintendência.
Logo após ter anunciado a mudança, Bolsonaro disse que o novo chefe seria o atual superintendente do Amazonas, Alexandre Saraiva. A direção da PF, no entanto, já tinha outro nome, o do então superintendente de Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira, e soltou uma nota se posicionando nesse sentido. Oliveira acabou nomeado meses depois.
A interferência na PF do Rio de Janeiro voltou a ser tema neste ano, o que motivou, entre outras razões, a saída de Moro do ministério. O ex-ministro afirma que o presidente tinha especial interesse em controlar a nomeação do chefe da PF no estado.
O novo diretor-geral da PF, Rolando Alexandre, trocou o chefe da corporação no Rio de Janeiro, nomeando Tácio Muzzi, cuja escolha foi vista com bons olhos pela categoria.
O procurador Eduardo Benones, responsável pelo controle externo da atividade policial no MPF, afirmou em seu parecer que “não é possível afirmar que a inclusão [do nome do deputado] teria sido feita fraudulentamente, uma vez que é plausível a intenção de averiguar a possibilidade do Hélio Negão citado pelo investigado ser a mesma pessoa que o deputado federal eleito em 2018”.
Em depoimento, o delegado Leonardo Tavares, responsável pelo inquérito, afirmou que um investigado disse ter concedido pensões supostamente irregulares a pedido de uma pessoa conhecida como Hélio Negão, que tinha objetivo de se candidatar a vereador e buscava obter votos por meio dos benefícios.
O delegado disse que o nome do deputado federal foi evidenciado durante as eleições de 2018, motivo pelo qual, em abril de 2019, decidiu verificar se o investigado se referia ao amigo do presidente eleito para a Câmara dos Deputados.
Hélio Lopes, que usa o apelido de Hélio Negão, foi o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro na eleição de 2018. Desde o início daquele ano, ele e Jair Bolsonaro apareciam juntos em atos de campanha.
Ele de fato buscou uma vaga na Câmara Municipal de Nova Iguaçu (RJ) em 2016. Contudo outros pontos do inquérito afastam a possibilidade de a pessoa mencionada no depoimento ser o deputado federal.
A Folha teve acesso a documentos do caso. No papel, Tavares resgata seis depoimentos de outros inquéritos, alguns de dez anos atrás, e leva para os autos a dúvida sobre quem seria o Hélio Negão que aparece como suspeito de cometer crimes.
O homem é descrito por testemunhas como negro, de 1,75 metro, com bigode, mais velho, que usa óculos e já morreu. O próprio delegado diz nos autos ser temerária qualquer relação do investigado com o deputado federal, por terem “pontos divergentes”.
Ainda assim, ele descreve o caso como “sensível”, coloca sigilo na investigação e julga haver a necessidade de avisar os órgãos de inteligência da PF —praxe em casos graves ou que possam ter repercussão.
Saadi também depôs no inquérito sobre a inclusão do nome do aliado do presidente. Ele afirmou que nunca foi informado por Tavares da inclusão do nome do deputado no inquérito. O ex-superintendente diz que só tomou conhecimento do fato quando foi exonerado do cargo no Rio de Janeiro.
Para a cúpula da PF, a aparição do homônimo foi uma armadilha, para que chegasse ao presidente da República a informação que havia uma investigação sobre um aliado no Rio.
Dirigentes avaliavam, na época, que não havia motivo de o nome aparecer dois anos após o início do inquérito, usando dados de investigações de dez anos atrás. Além disso, a suspeita não deveria ter sido levantada, já que o próprio delegado avaliava ser temerária a ligação.
De outro lado, porém, policiais diziam que o episódio é a prova da situação política atual, em que a aparição do nome de um amigo de Bolsonaro em um inquérito se transforma em uma crise grave.
A interferência de Moro também foi criticada por uma ala da PF, por ter aparência de proteção excessiva com o presidente.
Folha de SP